Quem nunca sentiu uma canção brincando de marionete com seu coração? Seja a sensação de euforia em uma festa ou o choro solitário durante uma balada melancólica, a música pode nos partir ao meio, fazendo emoções aflorarem de maneira mais eloquente do que gestos ou palavras.
Mas os motivos para isso não são nada óbvios. Até mesmo o pai da teoria da evolução, Charles Darwin, se dizia perplexo diante de nossa aptidão musical. Para ele, tratava-se de uma “das mais misteriosas habilidades do ser humano”.
Alguns pensadores, como o cientista cognitivo Steven Pinker, já chegaram a questionar se essa capacidade teria algum valor fisiológico. Na visão dele, gostamos de música porque ela agrada algumas das faculdades mais importantes de nosso cérebro, como o reconhecimento de padrões. Mas, sozinha, ela nada mais é do que “um bálsamo para os ouvidos”.
Mas se isso fosse verdade, todos nós estaríamos perdendo um tempo enorme com essa atividade. Se você acha que é obcecado por música, precisa conhecer o povo BaBinga, da África Central, que tem canções e danças elaboradas para praticamente todas as suas atividades diárias – de recolher mel a caçar elefantes.
Sedução e comunicação
Por isso, muita gente custa a acreditar que a música não tenha sido mais do que uma trilha sonora incidental para a evolução humana.
Felizmente, há outras teorias sobre o assunto. Uma das ideias mais populares na Ciência é de que a música teria surgido da “seleção sexual”: ela seria uma espécie de exibição sensual que faria um indivíduo se destacar dos rivais no acasalamento.
Mas há poucas evidências disso. Um estudo realizado pela Universidade Karolinska, na Suécia, com 10 mil gêmeos, não conseguiu provar que músicos sejam particularmente sortudos no sexo (talvez Mick Jagger e Harry Styles discordem).
Outros cientistas levantaram a hipótese de que a música teria surgido como uma forma primitiva de comunicação. Pesquisadores da Universidade do Wisconsin, nos Estados Unidos, estabeleceram que certos temas musicais podem, de fato, carregar algumas das marcas registradas de apelos emocionais de nossos antepassados. O som de um staccato ascendente tende a nos colocar em alerta, enquanto tons longos e descendentes parecem ter um efeito calmante – só para ficarmos em dois exemplos.
Esses padrões sonoros parecem ter um sentido universal para adultos de diferentes culturas, crianças pequenas e até outros animais.
Portanto, talvez a música tenha sido calcada em associações feitas com os sons emitidos pelos animais, ajudando-nos a expressar nossos sentimentos antes de termos as palavras. Seria uma forma de “protolíngua”, que poderia ter aberto caminho para a fala.
Amálgama social
Além disso, a música pode ter ajudado a moldar as sociedades humanas quando começamos a viver em grupos cada vez maiores. Dançar e cantar juntos parece ajudar os agrupamentos a serem mais altruístas e a terem uma identidade coletiva mais forte.
De acordo com uma pesquisa inovadora na área de neurociência, realizada na Grã-Bretanha, quando você se move em sincronia com outra pessoa, seu cérebro começa a criar uma névoa na sua percepção de si mesmo. Você passa a pensar que os outros se parecem mais com você e compartilham das suas opiniões. E a melhor maneira de fazer as pessoas se moverem juntas é com música.
Apesar de aumentar seu impacto, a participação ativa na música não é absolutamente necessária para sentir seus benefícios. Simplesmente ouvir uma canção que produza um “frisson musical” pode aumentar o altruísmo.
Com mais solidariedade e menos disputas internas, um grupo pode ficar melhor equipado para sobreviver e se reproduzir. E isso talvez seja melhor ilustrado pela musicalização dos BaBinga.
Mas o papel da música como um amálgama social também pode ser visto nas canções entoadas por escravos quando trabalhavam, por marinheiros e seus cânticos de navegação e por soldados e suas marchas.
A música realmente tem um poder de união. E, ao tomar um lugar tão importante em nossas relações, parece lógico que ela também mexa com nosso coração, nos ajudando a criar uma conexão emocional.
Cada cultura depois pode desenvolver esse instinto rudimentar à sua maneira, criando seu próprio léxico de acordes e melodias, relacionados a sentimentos específicos.
Hoje não conseguimos imaginar a música sem que ela esteja associada a alguns dos acontecimentos mais importantes de nossas vidas. Temos uma trilha sonora do momento da concepção até o funeral, e as melodias cercam tudo entre uma coisa e outra.
Não é de espantar, portanto, que todos nós mergulhemos em um coquetel de sentimentos e memórias toda vez que ouvimos nossas canções favoritas.
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