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Clássicos da MPB completam 50 anos em 2022

Em 1972, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Elis Regina, Milton Nascimento, Novos Baianos e Paulinho da Viola lançaram LPs (long plays) que mais tarde seriam considerados clássicos da música popular brasileira. Dos 6 álbuns, 3 estão no top 10 do ranking “Os 100 maiores discos da música brasileira”, publicado pela versão nacional da revista Rolling Stone (RS) em outubro de 2007.

Por ocasião dos aniversários de 50 anos dessas obras, foram entrevistados pesquisadores e jornalistas especializados no assunto.

 

OS 6 CLÁSSICOS QUE COMPLETAM 50 ANOS

Eis os LPs de 1972 que estão entre os 100 maiores álbuns da música brasileira, na ordem em que aparecem no ranking.

ELIS

Como 6 dos 18 álbuns de estúdio de Elis Regina (1945-1982) chamam-se “Elis”, o LP lançado em maio de 1972 ficou conhecido como “o disco da cadeira”. Foi gravado no mês anterior, com produção de Roberto Menescal e arranjos de César Camargo Mariano. Ocupa a 98ª posição da lista –“Falso brilhante” (1976), na 36ª colocação, é o outro álbum de Elis presente no ranking.

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Capa do LP “Elis”, de Elis Regina

O 1º registro em LP de “Águas de Março” (Tom Jobim) está aqui. A canção foi apresentada ao público durante show realizado 1 mês antes do disco chegar nas lojas. A novidade criou expectativa: “Assim, sem mais nem menos, estamos aguardando o lançamento do novo disco de Elis Regina, onde ela canta ‘Águas de Março’ de Antônio Carlos Jobim”, escreveu Walter Silva para a Folha de S. Paulo na época. Algumas semanas antes, o mesmo jornal havia publicado nota sobre a “linda e recente” composição de Tom.

O resultado em estúdio agradou os jornalistas que escreviam sobre música, apesar de Silva ter mencionado um possível “problema de mixagem” na faixa. Nota publicada no O Globo diz: “Nada mais simples e lindo que ‘Águas de Março’. Elis, no disco, nos dá uma aula espetacular de divisão de compasso e domínio de respiração. É, até que provem o contrário, a música do ano”.

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Reprodução do jornal Folha de S. Paulo de 31 de maio de 1972

Em uma edição diferente, o jornal menciona outras das 12 músicas do álbum. Destaca “Boa noite, amor” (Francisco Mattoso e Zequinha de Abreu), “Vida de Bailarina” (Americo Seixas e Dorival Silva), “Olhos Abertos” (Zé Rodrix e Guarabyra), “Atrás da Porta” (Chico Buarque e Francis Hime), “Nada Será como Antes” e “Cais” (Milton Nascimento e Ronaldo Bastos). No último parágrafo, depois de falar sobre a potência vocal da cantora gaúcha, diz: “Essas qualidades, mais o bom repertório escolhido, fazem do novo disco uma pedida certa e indispensável”.

 

Elis” 50 anos depois

A jornalista Chris Fuscaldo foi entrevistada, que também é musicista e doutora pelo programa de Literatura, Cultura e Contemporaneidade da PUC-Rio. Perguntamos se “Elis” continua relevante 50 anos depois do seu lançamento. Eis a resposta:

Super [relevante]. Curiosamente, esse é o momento de isolamento da Elis. Ela teve uma vida de muitos amores, altos e baixos, brigas, experimentações, viagens. Foi uma vida bem agitada, e de repente ela vai para o campo. Esse disco é a cara desse momento de isolamento que ela está vivendo. Isolamento esse que nós fomos obrigados a viver nesses últimos 2 anos. Em 2022, a gente não vai estar tão livre quanto estava em 2019”.

Em 2021, Chris Fuscaldo e o jornalista Marcelo Bortoloti publicaram o livro “Viver é melhor que sonhar”, sobre Belchior. Fuscaldo diz: “Esse disco tem ‘Mucuripe’, música do Belchior e do Fagner, que é extremamente contemplativa. Uma música que não tem nada a ver com o campo –pelo contrário, tem a ver com água, com mar. Mas se você parar para pensar, parece que ela [Elis] tá na beira do mar contemplando. Então esse era um momento muito contemplativo dela, e é uma coisa que todos nós, de alguma forma, fomos obrigados a viver”.

A DANÇA DA SOLIDÃO

Um dos poucos discos de samba presentes no ranking, não poderia ter sido lançado de outra forma: roda de samba com amigos na sede da gravadora Odeon em uma noite de 6ª feira (6.out). O próprio Paulinho distribuiu os convites, “mas quem gosta de música será recebido com chope e alegria”, dizia nota do O Globo do dia.

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Capa do LP “A Dança da Solidão”, de Paulinho da Viola

A Dança da Solidão é o 5º álbum de estúdio de Paulinho da Viola. Ocupa o 30º lugar na lista da RS, tendo a 2ª posição mais alta entre os álbuns do gênero. Atrás apenas de “Cartola”, de 1976 (8ª colocação geral).

O álbum teve produção de Milton Miranda e direção musical de maestro Gaya, que também orquestrou e regeu os arranjos. A capa é assinada por Elifas Andreato, designer e ilustrador responsável pela arte de “Nação” (Clara Nunes, 1982), “Canta Canta, Minha Gente” (Martinho da Vila, 1974), “Nervos de Aço” (Paulinho da Viola, 1973) e muitos outros.

No repertório, composições próprias (“Guardei minha viola”, “No Pagode do Vavá”, “Ironia” e “Dança da Solidão”); parcerias (“Coração imprudente” e “Orgulho”, ambas com Capinan); e de terceiros. Entre os compositores gravados, Geraldo das Neves (“Papelão”), Nelson Cavaquinho (“Duas horas da manhã”, com Ary Monteiro), Nelson Sargento (“Falso moralista”) e Cartola (“Acontece”).

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Reprodução do jornal O Globo de 6 de outubro de 1972

Crítica de “A Dança da Solidão” publicada na Folha de S. Paulo dizia: “A MPB atual está dividida em 3 correntes: a dos continuadores da bossa-nova (Milton Nascimento, Dori Caymmi), do som universal (Caetano Veloso, Gilberto Gil) e do sambão tradicional (Martinho da Vila, Candeia). Nesta última corrente, sem dúvida nenhuma o compositor mais criativo é Paulinho da Viola […]”.

Também recebeu elogios no O Globo. Heitor Quartin disse: “Como intérprete e compositor, Paulinho da Viola é Sucesso em Madureira ou Ipanema. […] O samba pode ser da pesada ou mais sofisticado. Pode ser cantando na Avenida ou na Banda de Ipanema. Mas não vai nisso nenhuma intenção de ‘fabricar o sucesso’. É que ele é isso mesmo, bom de viola, bom de notas, bom de poesia”.

A Dança da Solidão” 50 anos depois

Fernando Paiva , que é vice-presidente do Instituto Glória ao Samba, pesquisador e entusiasta do gênero. Perguntamos o que explicaria o bom desempenho de “A Dança da Solidão” no ranking, tendo em vista a presença tímida de discos de samba na lista. Eis a resposta:

É um disco com um repertório de peso, tem uma escolha de letras muito acima da média. Traz muito da simplicidade do samba: cavaquinho, pandeiro, agogô… É possível escutar a marcação do surdo… Até surpreende estar nessa lista por ser um disco de samba tradicional. Geralmente essas listas escolhem trabalhos que transformaram ou inovaram”.

EXPRESSO 2222

Gilberto Gil voltou ao Brasil em janeiro de 1972, depois de passar 3 anos exilado em Londres com Caetano Veloso. O cantor, compositor e instrumentista baiano havia lançado o LP “Gilberto Gil” no ano anterior. Ao retornar do Reino Unido, disse que o seu próximo disco seria apenas o registro da mais recente etapa do seu trabalho.

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Cara do LP “Expresso 2222”, de Gilberto Gil

Expresso 2222”, seu 6º álbum de estúdio, chegou às lojas em julho daquele ano. Em 2007, o trabalho seria eleito o 26º maior disco do país pela lista da RS. Sendo, entre os 4 trabalhos solo de Gil citados, o melhor classificado –os demais são “Refazenda” (1975), na 43ª posição; “Refavela” (1977), em 54ª; “Gilberto Gil” (1968), como 78ª.

Entre as 9 faixas de “2222” (como os jornais da época se referiam ao LP, devido a este ser o único texto verbal presente na capa), experiências (criações próprias) e amostras de suas raízes (obras de outros compositores brasileiros).

A instrumental “Pipoca Moderna” (Sebastião Bianco), “O canto da Ema” (João do Vale, Aires Viana e Alventino Cavalcanti), “Chiclete com banana” (Almira Castilho e Gordurinha) e “Sai do sereno” (Onildo Almeida) são as músicas que Gil pegou emprestadas de conterrâneos.

A maioria das composições próprias – “Back in Bahia”, “Ele e eu”, “Expresso 2222”, “O sonho acabou” e “Oriente”– foram escritas ainda na capital inglesa, arranjadas no Brasil e aprimoradas durante shows até, por fim, serem gravadas em São Paulo.

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Reprodução do jornal Folha de S. Paulo de 21 de julho de 1972

O disco teve direção de produção de Guilherme Araújo, coordenação de Roberto Menescal e direção musical do próprio Gil. Os instrumentistas Lany Gordin (guitarra), Bruce Henry (baixo), Antônio Perna (piano) e Tutty Moreno colaboraram com os arranjos. Gal Costa participou da gravação de “Sai do sereno”; a Banda de Pífanos de Caruaru, de “Pipoca moderna”.

No dia seguinte ao lançamento de “Expresso 2222”, O Globo publicou uma nota na sessão de discos. Dizia: “Dentre este grupo de baianos que de uma hora para outra tomou conta de um setor da MPB, alguns poucos realmente convencem, enquanto outros fazem onda apenas, se aproveitando do fato de já ter sido aberto o caminho na frente. Gil é disparado o melhor, o mais profundo, o mais talentoso, aquele menos preocupado com a imagem e mais ‘na do compor’, o mais simples, o mais autêntico”.

Ibanez Filho, da Folha de S. Paulo, escreveu uma longa crítica. “O disco realmente é um registro, no sentido em que é a realização final, acabada, lapidada e perfeita, das experiências musicais da última fase do trabalho de Gilberto Gil”, diz.

Depois de comentar as principais faixas do álbum, Filho escreve: “O disco é perfeito. Gostar ou não do LP torna-se assim apenas uma questão pessoal e subjetiva. Sem dúvida nenhuma, este disco, encarado como um registro pelo seu criador, já é um marco dentro da evolução da música popular brasileira”.

Expresso 2222” 50 anos depois

O jornalista Luiz Filipe Carneiro fez um vídeo dedicado ao “Expresso 2222” para o seu no canal no Youtube, Alta Fidelidade. Ele diz: “O que mais me impressiona nesse disco é a ponte que ele [Gilberto Gil] faz das suas origens para o futuro”.

Mais adiante no vídeo, Carneiro diz: “[Expresso 2222] pode representar o sonho da música universal do Gilberto Gil. Uma música tão rica que acaba agradando a quase todos. Seja o moleque roqueiro, seja o pai ou avó fã de Luiz Gonzaga ou João Gilberto, seja o tio fã de Bob Marley”.

Carneiro ainda fala sobre a importância de “Expresso 2222” na carreira do Gil: “Eu acho que esse disco representa uma espécie de farol. Acredito que tudo que ele fez depois tenha algo do ‘Expresso 2222’. Difícil imaginar o ‘Refavela’, a fase pop na década de 80 ou ‘Parabolicamará’ [de 1992] sem o ‘Expresso 2222’. Difícil imaginar os tributos a Bob Marley e Luiz Gonzaga, nos anos 2000, sem o ‘Expresso 2222’”. Assista ao vídeo (8min09s).

Escute a playlist do álbum no canal oficial do artista no YouTube:

TRANSA

Caetano Veloso é o artista com mais álbuns solo na revista. Entre os 5 discos do cantor e compositor mencionados na lista, “Transa” é o trabalho melhor posicionado. É o 10º colocado entre 100.

Sucessor de “Caetano Veloso” (também chamado por fãs e críticos de “London, London”, de 1971), foi seu 2º disco gravado durante o exílio. Seria lançado no Brasil em março, mas só chegou às lojas em maio daquele ano.

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Capa do LP “Transa”, de Caetano Veloso

Assim como o disco anterior, “Transa” foi produzido por Ralph Mace. O britânico ficou encarregado das questões técnicas da gravação. Já o cantor, compositor e violonista carioca Jards Macalé foi responsável pela “direção artística” dos arranjos –que ele, Caetano, Moacyr Albuquerque (baixo), Áureo de Souza (percussão) e Tutty Moreno (bateria) criaram. Esses músicos acompanharam Veloso nas primeiras apresentações realizadas depois de sua volta ao Brasil.

Foi em um show no Tuca (Teatro da Universidade Católica), em São Paulo, que a imprensa conheceu algumas das canções que estariam no LP. Em resenha publicada na Folha de S. Paulo, Walter Silva destacou “Triste Bahia” (releitura do poema de Gregório de Mattos), “It’s a long way” (Veloso) e “Mora na Filosofia” (Monsueto Menezes e Arnaldo Passos).

Completam o repertório do disco: “You Don’t Know Me“, “Neolithic Man“, “Nostalgia (That’s What Rock’n Roll Is All About)” e “Nine Out of Ten“. Esta última, segundo o próprio Caetano, sua melhor composição em inglês.

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Reprodução do jornal Folha de S. Paulo de 27 de maio de 1972

Se o 1º trabalho de Caetano nas Terras da Rainha ficou marcado pela saudade e a tristeza de um baiano na cinzenta capital inglesa, às vésperas de seu retorno o artista compôs como um estrangeiro que aprendeu a gostar das diferenças. “Não existe mais o ambiente cinza e frio de ‘London, London’, que foi substituído pela agitação de Porto Bello Road ou os filmes do Eletric Cinema que fazem o compositor chorar e se sentir vivo […]”, disse Ibanez Filho em resenha publicada na Folha. Referiu-se à “Nine Out of Ten”, mas o comentário continua verdadeiro se estendido para todo o álbum.

Transa” 50 anos depois

Allan de Paula Oliveira, músico, pesquisador e professor da graduação e pós-graduação em Música Popular na Unespar (Universidade Estadual do Paraná). De 2016 a 2017, Oliveira e o acadêmico João Pedro Schmidt realizaram um projeto de iniciação científica sobre o disco. “O ‘Transa’ é o trabalho onde o Caetano começa a trabalhar de uma forma que viria a marcar a carreira dele. Tá muito próximo do LP de 71 em termos de sonoridade, mas tem uma ruptura. Afirma uma sonoridade de banda e aponta para um elemento muito importante na obra do Caetano, que é um certo cosmopolitismo”, diz Oliveira.

Oliveira foi perguntado se o trabalho continua relevante 50 anos depois do seu lançamento. Eis a resposta: “Ainda é um álbum excelente. Eu acho engraçado como algumas bandas soam datadas e outras não. Você ouve coisas da década de 70 e elas têm ‘cara de década de 70’. O ‘Transa’ não tem. É um disco que poderia ser feito hoje. Claro, tem ‘um espírito’ da década de 70, mas de uma maneira tão sofisticada, tão sutil, que o álbum é perene”.

CLUBE DA ESQUINA

Em 1972, Milton Nascimento era considerado um dos principais nomes da música popular brasileira. Apenas 5 anos depois do seu álbum de estreia, “Travessia” (1967), o cantor e compositor carioca conseguiu fazer com que os grandes jornais do eixo Rio-São Paulo dessem alguma atenção para o que acontecia fora do próprio umbigo. Não só isso: com base nos acervos digitalizados dos principais veículos brasileiros, é possível dizer que os próximos passos de Bituca era um dos assuntos que mais interessavam aos jornalistas que cobriam a MPB.

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Capa do LP “Clube da Esquina”, de Milton Nascimento e Lô Borges

A expectativa pelo 5º álbum de estúdio do cantor era grande. Sabia-se que Nascimento dava uma pausa na criação para dedicar seu tempo ao projeto: um LP com canções compostas ao longo dos 2 anos em que estava morando em Minas Gerais, em parceria com artistas locais. E um show, que serviria para apresentar as músicas ao público antes do lançamento do disco.

Na contramão de tudo que era feito no setor fonográfico brasileiro, as capitais paulista e fluminense foram colocadas em 2º lugar. Em entrevista publicada pelo O Globo em 14 de janeiro de 1972, Milton contou porque preteriu os grandes centros. “Esta turma daqui de Minas é boa mesmo. Estão aí o Márcio Borges, o Toninho Horta, o Fernando Brant e o Lô [Borges] para provar o que digo. Mas em termos de mercado só existe mesmo Rio e São Paulo. Principalmente o Rio. Vamos lançar o long play aqui [em Minas Gerais] porque a turma é quase toda de Belo Horizonte. A gente já fez muita coisa juntos e agora resolvemos lançar o ‘Clube da Esquina’ no lugar de origem”, diz o cantor.

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Reprodução do jornal O Globo de 14 de janeiro de 1972

Quando chegou às lojas, uma informação até então ignorada pela imprensa ganhou destaque. “Clube da Esquina” era um LP de Milton Nascimento “com Lô Borges”. O cantor e compositor mineiro, pouco conhecido a nível nacional, assinava 8 das 21 faixas do álbum duplo. São elas: “Tudo que você podia ser”, “Um girassol da cor do seu cabelo”, “Estrelas” e “Trem de doido” (com Márcio Borges); “O trem azul” e “Nuvem cigana” (com Ronaldo Bastos); “Paisagem da janela” (com Fernando Brant) e “Clube da Esquina nº2” (com Milton e Márcio Borges). Ainda em 1972, Borges lançaria pela Odeon o seu primeiro álbum solo, “Lô Borges”.

A divisão do protagonismo foi questionada. “Muita gente, mesmo entendendo das coisas, acha que eu dei tremenda colher de chá ao Lô, ao destacá-lo em meu disco. Nada disso. Primeiro, o disco não é meu só, mas de todo mundo que aparece na capa, gente em que acredito. A ideia foi juntar essa gente num trabalho. Foi um negócio criado por Lô e por mim”, disse Milton ao O Globo de 23 de março de 1972. Essa questão, porém, nem de longe ameaçou a discussão sobre a qualidade do trabalho.

Com direção de produção de Milton Miranda, direção musical do Maestro Gaya e orquestração de Eumir Deodato e Wagner Tiso, “Clube da Esquina” foi bem-recebido pela crítica. “Dois discos compõem este excepcional lançamento da Odeon, que representa sem nenhum favor o que de melhor está sendo feito em matéria de Música Popular Brasileira no momento”, diz nota no O Globo de 26 de abril.

Clube da esquina” 50 anos depois

O jornalista Emerson Gasperin, que foi editor-chefe da extinta revista Bizz, comentou o seguinte: “O ‘Clube da Esquina’ é um disco muito importante para o contexto brasileiro porque ‘resgata’ essa alma caipira do país. É um disco rural, folk, moda de viola… E é tão brasileiro quanto um disco de samba ou de outro ritmo que tenha matriz negra”.

Kamille Viola, que além de repórter é pesquisadora e autora do livro “África Brasil: Um dia Jorge Ben voou para toda a gente ver”, disse: “‘Clube da Esquina’ é um disco clássico da MPB. Atemporal, soa bem até hoje. Reflete a época: vai dos temas mais hippies até à questão política. Todos os artistas do Clube da Esquina fizeram carreira. É um disco do meu coração, mas é um disco do coração da música brasileira“.

 

ACABOU CHORARE

Nem João Gilberto, nem Dorival Caymmi. Tampouco Gal Costa, Maria Bethânia, Gilberto Gil, Caetano Veloso. Ou mesmo Raul Seixas. Em uma lista marcada pela grande quantidade de consagrados artistas da Bahia, o título de maior disco da música brasileira pertence a “Acabou Chorare”, dos Novos Baianos.

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Capa do LP “Acabou Chorare”, dos Novos baianos

Baby do Brasil, Morais Moreira, Luiz Galvão, Paulinho Boca de Cantor, Pepeu Gomes, Jorginho Gomes e Dadi Carvalho reuniram-se em Salvador. E morando na capital baiana gravaram um compacto e seu 1º álbum de estúdio, “É ferro na boneca” (1970). Mas foi vivendo em um sítio no bairro Jacarepaguá, cidade do Rio de Janeiro, que o grupo produziu o álbum em questão.

Lançado em outubro de 1972 pela Som Livre, braço fonográfico do Grupo Globo, o LP dividiu opiniões no O Globo. Nota publicada no dia 27 classificava o trabalho como “notável”. “Eis aí um conjunto que finalmente achou o seu verdadeiro caminho: ritmo e som da 1ª a última faixa –brasileiro e autêntico. Um senhor lançamento”, dizia o texto de 12 linhas.

O jornal publicou uma crítica 2 dias depois. Depois de elogiar o projeto gráfico da capa, comenta o estilo novo estilo musical apresentado pelo grupo: “[…] procuram evidentemente uma formulação diferente, um pouco afastada da concorrência de Caetano, Gil e Cia, sem chegar a radicalismos. […] Para isso, aproximam-se mais de Gil, sem esquecer o tradicional ‘Brasil Pandeiro’, de Assis Valente. Somado a ‘Besta é tu’, ‘Preta, pretinha’ e outras milongas, o que fazem é uma verdadeira salada dentro de uma embalagem de caviar”, diz o texto.

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Reprodução do jornal O Globo de 29 de outubro de 1972

Folha de S. Paulo também deu nota sobre o disco. Dizia que os artistas “entraram no samba sem perderem seu swing característico. Suas composições, que sempre foram boas, mas tinham muita influência de Caetano e Gil, amadurecem”. O texto ainda menciona uma das novas fontes de inspiração da banda. “A convivência com João Gilberto também abriu novas perspectivas para os Novos Baianos que, agora, são donos de um som exclusivamente seu”.

Acabou Chorare” 50 anos depois

Emerson Gasperin também comentou sobre o maior disco da música brasileira: “Eu acho que ‘Acabou Chorare’ é o melhor disco dos Novos Baianos e entra fácil num top 5 de todos os discos da música brasileira. Tanto pelo que ele é, quanto pelo que ele influenciou, pelas pistas que ele deu”.

O jornalista, que participou da votação para a lista da RS, explica a posição que o LP ocupa: “Se tu der ‘Acabou Chorare’ para um australiano escutar, ele vai identificar muitas coisas de um pop mundial e ao mesmo tempo ele não vai ter dúvida nenhuma que aquilo é brasileiro. Eu acho isso mágico: conseguir dialogar com um monte de culturas diferentes sem perder a tua identidade. Não é uma banda de rock brasileira que é igual uma banda de rock argentina que é igual uma banda de rock polonesa. É totalmente brasileiro e totalmente universal”.

Por fim, Gasperin foi perguntado sobre o que “Acabou Chorare” tem que os demais álbuns do grupo não têm. Eis a resposta: “Eu não acho que os Novos Baianos tiveram muitas guinadas. Os [LPs] que vieram logo depois, ‘Novos Baianos Futebol Clube’ e ‘Novos Baianos’ são discos igualmente bons, sabe? São inferiores só porque o ‘Acabou Chorare’ veio primeiro e meio que cristalizou o estilo. Ali, encontraram a voz, a autoria, a assinatura artística deles. Os discos de 73 de 74 são evoluções naturais, com momentos piores e momentos melhores. ‘Acabou Chorare’ acaba tendo essa relevância toda pelo pioneirismo dentro da discografia do grupo”.

 

DÉCADA DE CLÁSSICOS

Com 6 álbuns, 1972 é apenas o 4º ano com mais representantes no ranking da RS. Fica atrás de 1975 e 1976 –ambos com 7 lançamentos na lista. E de 1973, com 10. Porém, 1972 é o único ano com mais de 1 disco no top 10.

A década como um todo foi muito movimentada e marcante, com o surgimento e a firmação dos grandes nomes da música brasileira. E 1972 é parte dessa década”, diz Chris Fuscaldo. A jornalista e pesquisadora deu a declaração ao ser perguntada se considerava 1972 um ano “especial” para a música brasileira. Como sugere texto publicado pelo Diário Catarinense (Florianópolis) em 2012.

Uma divisão cronolófica do ranking vai ao encontro do comentário de Fuscaldo. Dos 100 discos, 51 foram lançados de 1970 a 1979. O 2º decênio com mais álbuns na lista é de 1960 a 1969, com 16 LPs.

Desde 2020, elencar os grandes discos da música brasileira que fazem 50 anos é uma matéria que pode ser repetida a cada 1º de janeiro. Entramos em uma fase de ouro da música brasileira. Em 1972 teve vários clássicos, mas em 1973 também teve vários clássicos. E em 1971 teve vários clássicos. Não acho 1972 melhor ou pior que os outros anos [da década de 70]”, diz Emerson Gasperin.

Dados da Abinee (Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica) mostram que as vendas de discos (compacto simples, compacto duplo e long play) e fitas (K7 e K7 duplo) no Brasil cresceram 454% em 1979 ante 1968. Os números são apresentados no artigo “Transformações na indústria fonográfica brasileira nos anos 1970”, do pesquisador Gustavo Barletta Machado.

Machado relaciona esse boom às mudanças no padrão de consumo possibilitadas pelo momento político e econômico do país. A produção e o consumo de bens culturais cresceram durante a cívico-militar que durou de 1964 a 1985. Consequência do chamado “Milagre Econômico” com uma estratégia de integração nacional na qual o setor de telecomunicações foi importante. “Diferentemente do que ocorreu no período [de Getúlio] Vargas, foram os grupos privados que tiveram o papel principal no projeto de integração nacional, embora os investimentos estatais na infraestrutura necessária tenham sido volumosos”, diz o autor.

Um dos agentes privados ao quais o texto refere-se é o Grupo Globo. Ainda de acordo com a Abinee, foi em 1973 que o long play superou os formatos compacto simples e compacto duplo. O conglomerado da família Marinho teve parte nessa mudança. Com a criação da Som Livre, em 1971, a empresa carioca passou a produzir (e vender) álbuns com a trilha sonora das telenovelas da emissora –sendo sempre 1 disco com musicais nacionais e outro com canções internacionais para cada obra audiovisual.

Mas se a expansão dos Marinho para o mercado fonográfico ajuda a explicar o aumento nas vendas de LPs, sua colaboração no quesito qualitativo é menos notável. Para ilustrar essa relação, basta lembrar que apenas 2 álbuns da Som Livre aparecem na lista da RS. O já mencionado “Acabou Chorare”, e “Fruto Proibido” (1975), de Rita Lee.

Kamille Viola considera 5 fatores relevantes para explicar a qualidade da produção musical brasileira na década de 1970. São eles: a influência de João Gilberto (1931-2019) nas gerações seguintes a sua; a censura promovida pela ditadura cívico-militar; os festivais da canção, realizados de 1965 a 1972 (que eram transmitidos pela TV); o interesse das gravadoras em investir tempo e dinheiro nas produções; e a existência de meios culturais onde havia “muita troca” de experiência entre os artistas.

Todos os jornalistas e pesquisadores consultados disseram ver a ditatura como um dos ingredientes que resultaram na criação de canções e álbuns que mais tarde seriam considerados clássicos.

Allan de Paula Oliveira fala sobre a relação desse elemento com a ascensão da indústria de discos: “De 1965 a 1969, se você quisesse ver o que os compositores estavam fazendo de novo, você iria nos festivais. As gravadoras sabiam disso, então havia um interesse de que artistas participassem”, diz.

O cenário começou a mudar em 13 de dezembro de 1968. Naquele dia, o governo Costa e Silva baixou o AI-5 (Ato Institucional nº 5). Oliveira diz que a medida impactou as competições musicais: “Os festivais de 1969, 1970 e 1971 foram esvaziando. E a edição de 1972, organizado pela Globo, foi um fiasco. As gravadoras percebem que não valia expor os seus artistas ali. E os próprios artistas também se recusavam a participar. Isso explica porque começaram a investir em álbuns”.

Perguntamos a Emerson Gasperin se ter mais investimentos na produção de discos foi determinante para a indústria alcançar os resultados que teve nos anos de 1970. Para responder, o jornalista menciona o livro “Do vinil ao download”, de André Midani:

Ele [Midani] fala que a indústria da música, nos anos 60 e 70, era a indústria da felicidade. O mainstream era mais sofisticado e as pessoas que trabalhavam com música efetivamente gostavam de música. Do office boy ao presidente da gravadora. Sempre foi um negócio, mas parece que existia um pudor maior de entregar um produto melhor para o consumidor”, diz.

Ainda recorrendo à obra de Midani, Gasperin refere-se a outras características do setor que podem ter colaborado com a “excelência artística” da época. “As gravadoras tinham uma mentalidade de investir na carreira do artista, não no ‘one shot’. Em paralelo, mantinham seus estúdios, suas bandas. Era todo um contexto que favorecia o surgimento espontâneo de obras-primas. E se não fosse espontâneo, dava condições para que o artista eventualmente viesse a compor uma obra-prima nos anos seguintes”.

LISTA DE AUSÊNCIAS

O ranking de 100 maiores discos da música brasileira da revista Rolling Stone (RS) foi elaborado a partir de indicações de 60 jornalistas, produtores e pesquisadores convidados pela revista. Cada especialista indicou 20 álbuns, sem ordem de preferência. Segundo a publicação, “os critérios analisados incluíram valor artístico intrínseco e importância histórica”.

A lista traz “Araçá Azul” (1973), álbum experimental de Caetano Veloso que foi um fracasso de público –as pessoas que compraram o disco na época voltavam nas lojas para devolver o produto. Mas não menciona nenhum LP dos cantores considerados “cafonas” pela crítica –artistas que mais venderam discos na década de 1970.

Na visão de uma certa elite brasileira, músicas românticas com apelo popular não têm valor”, diz o historiador Paulo Cesar de Araújo. Araújo é autor do livro “Eu não sou cachorro, não: música popular cafona e ditadura militar”, publicado pela editora Record em 2002.

O escritor diz que a visão dominante da música brasileira valoriza os artistas que misturam modernidade com tradição. Um bom exemplo dessa mistura de velho e novo são os trabalhos de Gilberto Gil e Caetano Veloso, principalmente nas décadas de 1960 e 1970. Esse pensamento “também está presente na Semana de Arte Moderna. É algo da elite cultural que se materializou na música”, diz Araújo.

Os grandes nomes da MPB não são os artistas que mais vendem. Sempre existiu esse abismo entre o sucesso comercial e o que a crítica considera relevante. Existe um desconhecimento da música que a classe média não consome“, fala Kamille Viola.

QUESTÃO DE GOSTO

Considerando apenas álbuns solos, Caetano Veloso (5), Gilberto Gil (4), Jorge Ben (4), Roberto Carlos (4), Tim Maia (4), Os Mutantes (4), Gal Costa (3), Tom Jobim (3) e João Gilberto (3) formam um grupo de 9 artistas que respondem por mais de 1/3 dos 100 grandes discos listados.

Outros 15 artistas têm 2 discos no ranking. Uma delas é Elis Regina, com “Elis” (1972) e “Falso Brilhante” (1976). Ocupam a 98ª e a 36ª colocação, respectivamente. A jornalista Chris Fuscaldo, que participou da votação dessa lista, diz que evita indicar 2 álbuns de um mesmo artista em projetos como esse.

Sobre a classificação dos LPs de Elis Regina, Fuscaldo fala que se sente responsável pela ordem em que os trabalhos aparecem. Ela considera o disco de 1972 “mais primoroso” que o trabalho de 1976. No entanto, indicou este por questões pessoais: “O 1º álbum da Elis que eu conheci foi ‘Falso Brilhante’, então o ‘preferir’ tem toda uma questão afetiva”. Diz ainda que “essa lista é uma colocação de gosto de x pessoas que são convidadas a escolher”.

O jornalista Emerson Gasperin também colaborou com o ranking da RS. Disse que é preciso fazer ressalvas quando o assunto são seleções desse tipo. “Listas sempre vão despertar uma espécie de polêmica porque elas são voláteis. O resultado depende da época em que elas foram feitas, do contexto do mercado, do perfil dos votantes e do próprio perfil de quem organiza a lista, que também vai mudando ao longo do tempo”, diz.

COMERCIAL DE MENOS

Se não há limite para a quantidade de discos lançados por artistas consagrados pela crítica, é inevitável que o resultado tenha pouca diversidade. E a música “cafona” não é o único segmento prejudicado.

A falta de aceitação dos artistas românticos entre os críticos ajuda a entender, em parte, a ausência dos cantores bregas no ranking da RS. Só que não explica a presença tímida do samba no compilado.

O gênero que é símbolo do Brasil tem 8 representantes na lista. Mesmo sendo poucos trabalhos, há certa concentração em nomes que romperam as barreiras que restringem o gênero: Cartola, com seus 2 discos autointitulados (1974 e 1976); e Paulinho da Viola, com “Nervos de Aço” (1973) e “A Dança da Solidão” (1972).

Fernando Paiva, vice-presidente do IGS (Instituto Glória ao Samba), diz que Paulinho é “uma agulha no palheiro”. “Foi uma das poucas pessoas que conseguiram se sobressair fazendo samba tradicional. E fez isso de forma honesta. Você não acha gente da geração dele nessas listas”, diz.

Paiva fala que a crítica musical brasileira “negligenciou” o samba porque o gênero perdeu sua relevância comercial. Os poucos sambistas mencionados são lembrados porque “saíram por grandes gravadoras” ou porque fizeram sucesso tocando no rádio ou na TV. No geral, diz, a discografia do samba é pouco conhecida por aqueles que escrevem sobre o assunto na grande imprensa.

Para Paiva, o fato de muitos sambas terem sido gravados em discos de 78 rotações explica parte desse desconhecimento. Além disso, o recorte das listas em álbuns deixa de fora muito do que foi produzido nos primeiros anos da indústria fonográfica brasileira.

Essa observação vai ao encontro de um comentário de Paulo Cesar de Araújo sobre a ausência da música cafona no ranking da RS. O historiador diz que os cantores brega demoraram para migrar para o long play por conta do valor final do produto: como faziam um tipo de música que era consumido por pessoas com pouco poder aquisitivo, a produção era voltada para discos compactos.

Mais caros, os LPs eram restritos aos artistas da MPB –que apesar de ter “popular” no nome, era (e é) consumida, sobretudo, pelas classes média e alta. A própria ideia dos álbuns musicais como documentos com o mesmo valor dos livros só ganhou força na década de 1970, diz Araújo.

MINORIAS SÃO… MINORIA

Depois que intelectuais dos estudos de gênero e negritude desenvolveram e popularizaram conceitos que ajudam na identificação de preconceitos, analisar a carreira de artistas mulheres e negros mostra que as discriminações existem desde muito antes das discussões sobre elas ganharem força.

Depois de publicar seu livro sobre Jorge Ben, Kamille Viola começou a trabalhar em uma publicação sobre o sambista Martinho da Vila. Mesmo artistas que tiveram sucesso de crítica ou público, como Ben e Martinho, foram afetados de alguma forma.

O racismo e o machismo na estrutura brasileira fez artistas negros e mulheres serem menosprezados. Tanto a questão de raça quanto a de gênero tiveram e têm impacto na carreira dos músicos. Mesmo no caso do Jorge Ben. Quando chamam ele de ‘força da natureza’, estão reforçando o estereótipo do ‘negro mágico’ (expressão criada por Spike Lee para falar de personagens negros que têm poderes especiais, como uma dádiva) e menosprezando a construção por trás da intelectualidade negra“, diz Viola.

A pesquisadora atribui a presença tímida do samba na lista da RS a um “pensamento eurocêntrico” que influenciou o jornalismo brasileiro. Cita o maestro Letieres Leite ao dizer que a matriz africana é a raiz de toda a música popular da Américas, e fala que “a imprensa fez parte desse processo de apagamento” dessa origem.

Também falta representação de gênero no ranking. Considerando apenas álbuns solo, 8 mulheres conquistaram 12 lugares. São elas: Angela Ro Ro, Aracy de Almeida, Elizeth Cardoso, Gal Costa, Maria Bethânia, Marisa Monte, Elis Regina e Rita Lee.

Chris Fuscaldo fez as pesquisas, entrevistas e escreveu os roteiros do programa “Mulheres do Brasil”, sobre as cantoras e compositoras do país. O programa foi exibido pelo Canal BIS, em 2014. Fuscaldo também trabalhou esse tema em sua tese de doutorado em Literatura, Cultura e Contemporaneidade na PUC-Rio.

Em “Cantautoras: Um ensaio sobre sete mulheres e sua importância na música popular brasileira“, a pesquisadora “reconstrói criticamente” a história de Anastácia, Martinha, Joyce Moreno, Leci Brandão, Sandra de Sá, Roberta Miranda e Margareth Menezes. O trabalho está disponível para leitura e download no repositório da instituição.

Fuscaldo comentou as ausências da lista publicada pela RS em 2007. “A gente tem um problema de representação feminina até hoje. É um problema que existe desde sempre. A mulher acaba sendo colocada num papel de musa. Em geral, é muito mais aquele papel de destaque da beleza, do que de fato ela tem a dizer“.

Fuscaldo cita dados do Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) sobre a distribuição de direitos autorais no Brasil para mostrar que a disparidade entre os gêneros não se restringe à lista. “Em 2020, as mulheres representaram 7,6% dos arrecadadores de direitos autorais no Brasil, enquanto os homens eram 82,4%. As mulheres arrecadaram 91,72% a menos que os homens. E eram só 5 na lista de maiores arrecadadores, contra 93 homens. A não chega a 100 porque algumas pessoas não declaram gênero“, diz.

Para sua tese, Fuscaldo solicitou ao Ecad os dados referentes apenas a cantores e cantoras que também compõem. “Eu descobri que não mudou quase nada: elas são 7,39% dos cantores compositores, enquanto os homens são 82,61%, e arrecadaram 91,61% a menos que os homens. E continuaram sendo só 5 na lista dos maiores arrecadadores“.

“Eu quis trazer esses dados para mostrar que as mulheres sempre foram muito sub-representadas nesse mercado que é extremamente machista. E para mostrar que cantoras como Elis Regina e Maria Bethânia são tão guerreiras quanto Rita Lee e as compositoras. Só que as compositoras sofreram um pouco mais, porque a cantora sempre conquistou mais admiração, tendo um lugar reservado para elas na música brasileira”, diz.

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