A música tem sido uma ótima estratégia terapêutica para lidar com a difícil tarefa de cuidar de um familiar acometido pelo Alzheimer. Com a evolução da doença neurodegenerativa, as pessoas ficam totalmente dependentes, podem se tornar mais agressivas, agitadas, com déficits de memória e declínio motor e cognitivo. Uma pesquisa da Gerontologia da USP traz alento às pessoas que estão envolvidas com um idoso nessa situação, principalmente se o cuidador principal for o próprio cônjuge. Canções do repertório autobiográfico do casal, que trazem lembranças de fatos e situações vividas juntos, amenizam sintomas relacionados à demência, como a agitação, e possibilitam mais qualidade de vida ao cuidador.
Segundo o autor da pesquisa, o musicoterapeuta e mestre em Gerontologia Mauro Amoroso Pereira Anastácio Júnior, a música exerce enorme influência na vida humana. No caso do idoso, estimula sentimentos, sensações e remete a épocas, pessoas, lugares e experiências vividas, evocando emoções guardadas em sua memória, diz. Com formação musical e trabalhando mais recentemente com pesquisas na área do envelhecimento pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, Anastácio uniu as duas áreas e procurou investigar o efeito da musicoterapia nas relações familiares conjugais e de amizade de cuidadores que eram cônjuges de pessoas diagnosticadas com Alzheimer.
Cantando juntos
Ao todo, foram 12 atendimentos semanais direcionados a quatro casais idosos que moravam no município de São Paulo. O pesquisador estabeleceu alguns critérios para a escolha das pessoas: que um dos indivíduos tivesse diagnóstico de Alzheimer em estágio inicial ou moderado e que o cuidador tivesse assumido essa função há mais de seis meses. Por meio de entrevistas, antes e depois das intervenções, Anastácio resgatou as canções mais significativas da história de vida do casal. Uma das atividades levadas à sessão foi a gravação dos dois cantando alguma música do repertório deles e, em seguida, propôs que ouvissem a gravação juntos. Em alguns momentos, Anastácio também recorreu aos instrumentos musicais. O violão favorecia o acompanhamento harmônico das canções, diz.
Nos resultados apurados por Anastácio, embora os cuidadores se sentissem cansados pelas demandas associadas à doença, a musicoterapia trouxe momentos prazerosos ao casal. Amenizou os sintomas comportamentais dos companheiros adoecidos e possibilitou o resgate e a troca de lembranças pessoais, como relata uma das participantes da pesquisa: “A musicoterapia trouxe o prazer de se expressar, sem ser julgada. É uma sensação de tranquilidade e de dar chance de relembrar o que se viveu”.
Com relação ao fato de ter tido que assumir a tarefa de cuidar do companheiro, a experiência com a música trouxe maior percepção de seu papel social e familiar e mais qualidade e bem-estar no relacionamento conjugal, como disse uma das depoentes: “Agente sempre se deu bem e hoje há um sentimento de gratidão por toda a vida que tivemos juntos”.
Demência e Alzheimer
Segundo o pesquisador, a demência é uma síndrome cerebral progressiva que afeta a memória, o pensamento, o comportamento e a emoção. Embora cada processo seja individual, eventualmente os indivíduos com demência tornam-se incapazes de cuidar de si mesmos e necessitam de ajuda para todas as suas atividades, explica Anastácio.
Existem mais de 100 formas de demência, sendo a mais conhecida a doença de Alzheimer. Causa a destruição das células cerebrais, interrompendo a transmissão de mensagens no cérebro, o que afeta a capacidade de se lembrar, falar, pensar e tomar decisões, diz o pesquisador. Ainda não se sabe ao certo o que causa a morte das células nervosas, porém há certos tipos de lesões que podem ser observadas em áreas danificadas do cérebro. Isso confirma o diagnóstico da doença de Alzheimer, explica.
Envelhecimento populacional brasileiro
A pesquisa apresenta também dados sobre a tendência de desenvolvimento de doenças neurodegenerativas no Brasil impulsionada pelo envelhecimento da população. Em 1950, a expectativa de vida era de 51 anos; em 2016, passou para 75,8 anos e a previsão para 2040 é de 80 anos, segundo o estudo. Para o pesquisador, “é preciso adotar abordagens terapêuticas para o manejo da doença, uma vez que os medicamentos farmacológicos disponíveis dão conta apenas dos sintomas”, conclui.
A pesquisa de mestrado Musicoterapia e doença de Alzheimer: um estudo com cônjuges cuidadores foi defendida em maio de 2019, sob a orientação da professora Deusivania Vieira da Silva Falcão, do Programa de Pós-Graduação em Gerontologia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP.
MELHORA NA SAÚDE MENTAL E EMOCIONAL SÃO FATORES OBSERVADOS PELOS AUTORES DO ESTUDO
Segundo um estudo publicado no JAMA (Journal of the American Medical Association), ouvir, criar ou cantar música pode promover melhoras significativas no bem-estar e na qualidade de vida dos indivíduos, regulando emoções e funções cerebrais.
De acordo com os pesquisadores, as intervenções musicais podem ser consideradas “mais atrativas e efetivas” ao levar em conta alternativas não farmacêuticas – porém, mais estudos ainda são necessários. Entretanto, é garantido que o método, por si só ou como terapia complementar, melhora a saúde mental dos adeptos.
No jornal The Guardian, é explicado que o estudo de 26 pesquisas conduzidas em lugares como Austrália, Reino Unido e Estados Unidos descobriu um resultado clínico na promoção de um bem estar mental e emocional.
Sete dessas pesquisas envolvem musicoterapia; dez abordaram os efeitos de ouvir música; oito examinaram os benefícios de cantar e uma tratou sobre as consequências da música gospel dentro deste contexto.
“Muitos de nós sabemos por experiência própria o quão profunda uma intervenção musical pode ser em situações que incluem cirurgia, problemas de saúde ou episódios de saúde mental”, declarou Kim Cunio, professor de musicologia da Universidade Nacional Australiana, ao The Guardian.
Além disso, os autores afirmam que os benefícios da música à mente podem ser comparados aos efeitos de exercícios físicos e perda de peso.
Mas o uso de musicoterapia e arteterapia como intervenções só vem recebendo mais credibilidade e reconhecimento recentemente, após a OMS (Organização Mundial da Saúde) encontrar evidências de que os métodos podem ajudar na prevenção se problemas de saúde e no tratamento dos mesmos.
Outro estudo aponta para a música como tratamento complementar efetivo no combate à depressão e aos sintomas da menopausa em mulheres. – como ondas de calor e dificuldade para dormir.
Agora que você já sabe um pouco mais sobre os benefícios da música, confira outras curiosidades surpreendentes:
Plantas reagem à música
Estudos sugerem que quando plantas são expostas à música, seu crescimento pode ser estimulado. Segundo resultados de pesquisa realizada pelo Instituto Nacional de Agricultura Biotecnológia da Coréia do Sul, ondas sonoras presentes em músicas clássicas causaram reação em dois genes das plantas utilizadas.
Ouvir música pode ter efeitos terapêuticos
Através da musicoterapia, sons podem nos ajudar superar alguma questão, expressar algum sentimento, ou até mesmo nos dar energia, o que acontece porque a música tem efeitos terapêuticos.
A musicoterapia proporciona bem-estar, relaxamento tanto físico quanto mental, liberação de dopamina – hormônio do prazer – resgate de autoestima, melhora na expressão e comunicação, ganho ou melhora de tônus muscular, entre muitas outras coisas.
O show com maior público foi realizado em Copacabana
A apresentação de Rod Stewart no Brasil durante a virada do ano entrou para o Guinness Book como o maior show gratuito da história, contando com mais de 3,5 milhões de pessoas ouvindo o artista em Copacabana, Rio de Janeiro.
Fãs de música clássica e de heavy metal têm personalidades semelhantes.
Estudo realizado na Universidade Heriot Watt, em Edimburgo, na Escócia, analisou a relação entre gostos musicais e a personalidade dos indivíduos. Os resultados sugerem a presença de semelhanças entre fãs de música clássica e admiradores de heavy metal.
Pesquisadores entrevistaram 36 mil pessoas, abordando as características da personalidade de cada um e seus gostos musicais.
A conclusão diz que fãs de jazz tendem a usar mais a criatividade, enquanto o contrário ocorre àqueles que gostam de música pop.
Seguindo essa linha, os estudiosos encontraram pontos em comum entre pessoas que gostam de música clássica e heavy metal.
“São pessoas muito criativas, introvertidas e de bem consigo mesmas, o que é estranho. Como você pode ter dois estilos tão distintos com grupos de fãs tão parecidos?”, afirmou Adrian North, líder do estudo
Ainda segundo ele, uma das explicações para o resultado surpreendente pode ser o “aspecto teatral desses estilos, que são dramáticos”.
“As pessoas em geral têm um estereótipo sobre os fãs de heavy metal, acham que eles têm tendência suicida, são deprimidos e representam um perigo para si e para a sociedade em geral. Na verdade, são pessoas bem delicadas”, disse.
Músicas afetam como você enxerga as situações
Quem nunca sintonizou na playlist de músicas tristes quando não estava se sentindo bem. Ou de canções alegres para limpar a casa ou se arrumar para sair. Isso porque o som que estamos ouvindo afeta diretamente em como vemos o mundo ao nosso redor.
Ao ouvirmos músicas mais melancólicas, podemos nos ver mais chateados e lembrando de situações não tão agradáveis. Enquanto escutar ritmos divertidos e animados faz com que nossa energia fique mais leve.
Você sabe o que é “coceira cognitiva”?
Quando dizemos que não conseguimos tirar uma canção da nossa cabeça, estamos falando sobre “coceira cognitiva”, acontecimento que costumamos atribuir à “músicas chiclete” – incômoda muitos casos.
Segundo estudo realizado por James J. Kellaris, da Universidade de Cincinnati, psicólogo estudioso do comportamento do consumidor, músicas simples, com repetição e que foge às expectativas tem chances de “grudar” em nossa mente.
De acordo com a pesquisa, músicos, mulheres e pessoas que sofrem muito estresse tendem a ser mais suscetíveis à “coceira cognitiva”, com causas psicológicas ou físicas, que podem estar relacionadas às frequências de som que ressoam no corpo.
Kellaris ainda afirma que para sanar o efeito da música chiclete, é necessário cantá-la em voz alta.
Ouvir música estimula praticamente todo o nosso cérebro
Ouvir música é uma das poucas atividades que conseguem estimular praticamente todo o nosso cérebro, provocando um “diálogo” entre as áreas do órgão.
Uma canção faz com que analisemos o som quando a seu tom, ritmo, volume, timbre, harmonia, localização espacial e ressonância. Além disso, as partes de nosso cérebro responsáveis por movimento, memória, atenção e emoção também são ativadas. Isso sem contar a interpretação que o órgão faz da letra.
Só uma em cada 10 mil pessoas tem ouvido absoluto
Ter ouvido absoluto é possuir a conseguir reconhecer e nomear notas musicais sem nenhuma referência anterior, conseguindo afirmar qual a nota tocada no piano sem um elemento de comparação.
Apenas uma em cada 10 mil pessoas nasce com a condição, fazendo dela uma raridade. Suspeita-se que o ouvido absoluto seja hereditário e que estudar música possa desenvolvê-lo.
Confira alguns músicos famosos que tinham ouvido absoluto:
Mozart
Beethoven
Chopin
Ella Fitzgerald
Stevie Wonder
Michael Jackson
A música pode ser utilizada no tratamento para mal de Parkinson e AVC
Segundo estudos, a musicoterapia por tempo prolongado pode ser útil no tratamento para mal de Parkinson e AVC, podendo ainda causar reações surpreendentes em pacientes com Alzheimer.
As sessões que utilizam o método recorrem a exercícios musicais ou rítmicos que ajudam os indivíduos a estabelecerem habilidades funcionais, como pessoas que começam a andar novamente após um trauma junto ao ritmo de uma música ou batida específica.
Além disso, o tratamento para AVC ajuda os pacientes a recuperarem a linguagem, o andar e movimentos físicos.
Todos imaginamos – ou visualizamos – as mesmas coisas quando ouvimos música, ou nossas experiências são irremediavelmente subjetivas?
Em outras palavras, será que a música é uma linguagem verdadeiramente universal?
Para investigar essas questões, uma equipe internacional de pesquisadores – incluindo um pianista clássico, um baterista de rock e um baixista – perguntou a centenas de pessoas que histórias elas imaginavam ou que quadros elas visualizavam ao ouvir uma música instrumental que nunca havia ouvido antes.
Os resultados mostraram que os ouvintes em dois estados dos EUA imaginaram cenas muito semelhantes, enquanto os ouvintes de uma província da China imaginaram histórias completamente diferentes – todos os três grupos ouviram as mesmas músicas.
“Estes resultados pintam uma imagem mais complexa do poder da música. A música pode gerar histórias notavelmente semelhantes nas mentes dos ouvintes, mas o grau em que essas narrativas imaginadas são compartilhadas depende do grau em que a cultura é compartilhada entre os ouvintes,” resumiu a professora Elizabeth Margulis, na Universidade de Princeton (EUA).
Imaginação musical
Os 622 voluntários foram selecionados em três regiões em dois continentes: Duas cidades universitárias nos EUA – uma no Arkansas e outra em Michigan – e um grupo de Dimen, uma vila na China rural onde o idioma principal é o Dong, uma língua tonal não relacionada ao mandarim, e onde os moradores têm pouco acesso à mídia ocidental.
Todos os três grupos de ouvintes ouviram os mesmos 32 estímulos musicais: Trechos de 60 segundos de música instrumental, metade de música ocidental e metade de música chinesa, todos sem letra. Após cada trecho musical, eles faziam descrições livres das histórias que imaginaram enquanto ouviam a música.
Os resultados foram impressionantes: Os ouvintes nos dois estados norte-americanos descreveram histórias muito semelhantes, muitas vezes até usando as mesmas palavras, enquanto os ouvintes chinesas imaginaram histórias semelhantes entre si, mas muito diferentes das dos ouvintes norte-americanos.
Por exemplo, uma passagem musical identificada apenas como W9 trouxe à mente dos ouvintes norte-americanos um nascer do sol sobre uma floresta, com animais acordando e pássaros cantando, enquanto os chineses imaginaram um homem soprando uma folha em uma montanha, cantando uma música para sua amada.
Para a passagem musical C16, os ouvintes norte-americanos descreveram um caubói sentado sozinho ao sol do deserto, olhando para uma cidade vazia; Os participantes chineses imaginaram um homem nos tempos antigos contemplando com tristeza a perda de sua amada.
“Você pode pegar duas pessoas aleatórias, que cresceram em um ambiente semelhante, fazer com que elas ouçam uma música que nunca ouviram antes, pedir que imaginem uma narrativa e você encontrará semelhanças. No entanto, se essas duas pessoas não compartilham uma cultura ou localização geográfica, você não verá o mesmo tipo de semelhança na experiência. Então, embora imaginemos que a música possa unir as pessoas, o oposto também pode ser verdade – ela pode distinguir entre grupos de pessoas com origens ou culturas diferentes,” disse Benjamin Kubit, coautor do estudo.
Musicoterapeuta diz que evolução gradativa é “troféu” e alegria de profissionais e famílias
Apesar de não ser tão popular quanto as terapias tradicionais, como a psicologia, terapia ocupacional e a fonoaudiologia, por exemplo, a musicoterapia ou musicalização vem a cada dia ganhando um espaço importante para, somada a outras terapias, ajudar crianças com necessidades especiais em diversas áreas, como na interação social, na comunicação verbal e não verbal, dentre outras.
Em Dourados, um trabalho digno de nota utilizando a musicoterapia é desenvolvido na Associação de Pais e Amigos dos Autistas da Grande Dourados (AAGD). A AAGD desenvolve suas ações em sede própria, visando promover o apoio psicossocial, o bem-estar e melhoria da qualidade de vida das pessoas com autismo e suas famílias. Para isso oferece atendimento em psicoterapia individual ao público alvo mediado por psicólogos na área comportamental, atendimentos as famílias com a equipe técnica (assistente social e psicóloga), bem como os Projetos Complementares, como Equoterapia, Ginástica, Musicalização e Apoio pedagógico.
O Progresso esteve com o músico Elton Bonilha Petelim, um dos professores que atuam na AAGD na atividade complementar de musicoterapia. “Fazemos esse trabalho com amor, porque essas crianças merecem. Elas já passam por tantas dificuldades por conta do espectro. O que podemos fazer é se dedicar com amor a elas para que tenham melhor qualidade de vida e um comportamento muito próximo das crianças típicas”, disse Elton na entrevista. “A nossa realização profissional, como músicos, é ver o desenvolvimento da criança. Quando vemos esse desenvolvimento, essa evolução gradativa, nós ficamos felizes e as famílias também. Essa é a nossa recompensa. Esse é o nosso troféu”, afirmou o dedicado professor, que detalhou à reportagem como são desenvolvidas as atividades de musicoterapia/musicalização.
“Nós trabalhamos com canto (Música de recepção e despedida, Canções Folclóricas, Cantigas de Roda, Músicas de estimulo motor, pedagógicas e outras músicas do repertório popular), ritmos variados com instrumentos percussão, terapias funcionais ou estruturadas (Desenvolvimento cognitivo), canções para estimular a coordenação motora e consciência corporal, exercícios musicais de identificação de figuras, cores e números (Pareamento e estímulos para a fala), identificação e execução de notas e figuras musicais nos instrumentos melódicos, percepção rítmica, melódica e harmônica, brincadeiras musicais para proporcionar interação social e Prática Instrumental com instrumentos musicalizadores (Violãop, Ukelele, Flauta Doce, Teclado Arranjador, Xilofone e Sanfona de 8 baixos)”, enumerou o músico, detalhando como e em que fase são aplicadas cada técnica.
“Todas essas atividades tem a finalidade de ajudar no desenvolvimento da criança, seja no desenvolvimento cognitivo ou fonético, auxiliar na alfabetização e na coordenação motora”, explicou, ressaltando que a AAGD atende todo o espectro do autismo. “Dentro dessa faixa de crianças nós temos as crianças classificadas como de espectro leves, moderadas e severo. As atividades aplicadas obedecem a esse grau de necessidade”, assinalou.
“Para efeito comparativo, se temos uma criança de três a seis anos de idade as atividades são mais de caráter lúdico. Se a criança não tiver nenhuma limitação intelectual, por exemplo, podemos atuar no pareamento de cores, auxiliar na alfabetização apresentando consoantes e vogais e numerais. Se a criança apresentar alguma limitação intelectual ou comorbidade associada, como comprometimento na fonética, a gente vai ajudar através de canções para ela poder desenvolver a fala e principalmente na questão comportamental”, descreveu Elton, enfatizando que “a questão comportamental é trabalhada em todas as situações, mas nos casos mais severos ela é mais priorizada por conta da necessidade de propiciar que essa criança tenha interação social, compartilhamento de brinquedos e outros comportamentos sociais de uma criança típica”.
“Isso muda se formos atender, por exemplo, uma criança de oito anos, que já é alfabetizada e que não tem comprometimento intelectual. Tem apenas a questão comportamental por conta do espectro do autismo. Nesses casos entramos com algo mais denso. É como alimentar uma criança: se é um bebê basta a papinha. Se é uma criança maior já se oferece alimentação normal. Nesses casos entramos com a musicalização em si, através do ensino das notas musicais, por exemplo”, prosseguiu.
Quando a criança já tem cerca de oito anos o Projeto oferece instrumentos musicalizadores. No caso de Elton, as atividades são feitas com violão, o teclado ou flauta doce. “Aí já é ensinar a tocar mesmo, apesentando musica popular e infantil e também explicando e mostrando o que é clave de sol, clave de fá, mínima, semínima, colcheia e outros pontos que fazem parte da teoria e prática musical ensinada em uma escola formal”, esclarece o músico.
“Quando vemos esse desenvolvimento, a evolução gradativa, nós ficamos felizes e as famílias também. Essa é a nossa recompensa. Esse é o nosso troféu”, afirmou o dedicado professor no final da entrevista.
Neste sábado 23 é comemorado o Dia Nacional do Choro, gênero que é revolucionário, como fica claro no trabalho do grupo Chorando as Pitangas.
Foi da fusão do lundu, a base de percussão afro-brasileira, com a polca, a valsa e outros gêneros em evidência na época, que o choro floresceu na segunda metade do século XIX – uma associação espetacular que formou não somente um gênero instrumental, mas a própria raiz da música brasileira.
Joaquim Callado (flautista), Patápio Silva (flautista), maestro Anacleto de Medeiros, Chiquinha Gonzaga (piano), Ernesto Nazareth (piano), Pixinguinha – o maior de todos (nasceu em 23 de abril e por isso o Dia do Choro), João Pernambuco (violão), Quincas Laranjeira (violão), Luperce Miranda (bandolim) e João da Baiana, que embora seja identificado como sambista, foi fundamental na introdução do pandeiro nas rodas de música da época.
Esses instrumentistas essenciais presentes pouco antes e pouco depois da virada do século XIX para o XX, e mais uma centena de músicos que os cercavam e eram tão virtuosos quanto os citados, fizeram a combinação que solidificou o choro como uma arte musical tipicamente nossa.
Os chorões, que quando reunidos eram chamados de grupo regional (relação com a música regional), composto por cavaco, violão, pandeiro e mais bandolim, piano e sopros (flauta, saxofone), tocavam em bares, festas populares, aniversários, em teatros e até em baile da elite.
Influência
Eles frequentavam rodas de samba, ainda no embrião, nas casas das tias baianas. Foram depois para o rádio. Eram pessoas do povo, de origem humilde, muitos autodidatas. Não só eram exímios músicos, mas arranjadores e compositores. Improvisaram como ninguém, uma característica em geral dada somente a quem tem talento.
Passaram a acompanhar grandes cantores da época, como Carmem Miranda e Francisco Alves. E isso perdura até hoje. Alguns artistas do primeiro time, não só do samba, mas da MPB, mantêm sua base de músicos com chorões e até mesmo já fizeram trabalhos com um conjunto inteiro.
Músicos de choro são excelentes instrumentistas, leem partituras, têm linguagem musical própria dando um caráter no acompanhamento bastante peculiar.
Esse pessoal influenciou desde sempre a cultura e é responsável pela definição da raiz da música brasileira. Isso não quer dizer que o próprio choro não tenha mudado ao longo do tempo, com grupos experimentando a inserção de novos instrumentos no meio, como acordeon, surdo e violino.
O Chorando as Pitangas, que lançou seu terceiro disco recentemente, chamado Terceira Dose, é uma prova disso. O grupo é composto por Gian Correa (violão de sete cordas), Ildo Silva (cavaquinho), Milton Mori (bandolim), Roberta Valente (pandeiro) e Vitor Lopes (harmônica ou gaita – está aí um instrumento inserido no choro ao longo do tempo, dando-lhe multiplicidade musical em solos plurais).
O disco mostra o caminho renovador do choro, nas composições próprias de integrantes do Chorando as Pitangas e dos participantes, como do violonista Ricardo Hertz e do grupo Barbatuques, que em duas faixas introduzem percussão corporal no choro, como assobios, toques das mãos, palmas, sons com a boca e vocalizes. O álbum ainda tem a participação do guitarrista Chico Pinheiro.
O choro sempre teve linguagem inovadora e virtuosa, como Pixinguinha tão bem propôs há um século.
Sabe aquela música que de vez em quando volta à sua mente… E você não sabe de onde saiu? Quase todo mundo já passou por isso, e as pessoas geralmente se perguntam por que esse som aparece do nada. Alguns chegam a achar irritante! Mas, segundo a ciência, essa é uma ferramenta importante do nosso cérebro.
Pesquisadores da Universidade da Califórnia resolveram investigar o assunto. Pra isso, eles fizeram testes com voluntários, que precisaram assistir a trechos de filmes desconhecidos – ora sem, ora com música de fundo. Para alguns dos participantes, o processo era repetido, e eles ouviam a mesma música várias vezes. Depois, eles precisavam relatar os detalhes que se lembravam do que tinham assistido.
E os resultados foram claros… Quanto mais uma música é “tocada” na cabeça de uma pessoa, mais precisa se torna a memória da música… E mais detalhes a pessoa se lembra da seção específica do filme com a qual a música foi combinada! É isso que explica por que todos nós temos uma canção que representa um momento importante da vida… Toda vez que você a escuta, lembra de detalhes desse período especial.
Segundo os pesquisadores, esse achado é importante porque confirma que a música é um mecanismo que pode ajudar a manter as nossas memórias. Ela ajuda a preservar tanto as experiências recentes quanto a memória de longo prazo, gerando uma espécie de efeito protetor do cérebro.
Fantástico, não é mesmo?
Outros benefícios da música
Se você gosta de música, com certeza seu cérebro e todo o seu corpo podem se beneficiar de inúmeras formas diferentes. E tanto faz se você toca algum instrumento ou simplesmente gosta de ouvir suas canções favoritas. Veja:
1 – Tocar um instrumento é bom para o cérebro
Segundo estudos, ao tocar qualquer instrumento, suas ondas cerebrais se alteram e melhoram sua audição e percepção. Essa é uma boa notícia para quem teve algum dano cerebral, como derrames, ou simplesmente quer deixar a mente mais afiada.
2 – Proteção contra demências
Outra pesquisa demonstrou que pessoas que tocam instrumentos precisam de menos esforço mental de quem não é músico, ainda que seja para realizar a mesma tarefa. Os pesquisadores comentam que esse é um importante fator protetor contra o declínio cognitivo e demências, como o Alzheimer.
3 – Proteção cardiovascular
Testes em pessoas hipertensas mostraram que elas tiveram redução no ritmo cardíaco depois de ouvirem música clássica. Uma boa notícia para quem tem pressão alta!
4 – Proteção contra epilepsia
Você já ouviu falar do “efeito Mozart”? Vários estudos confirmam que pacientes com epilepsia que ouvem as músicas clássicas desse compositor têm menos crises epiléticas e reduzem a frequência da atividade cerebral.
A hipótese é de que as sonatas de Mozart tenham estruturas rítmicas que impactam direto em certos sistemas cerebrais, mas a ciência ainda precisa de mais pesquisas para uma confirmação…
É incrível como nossa mente e nosso corpo respondem à música! Então, fica a dica: faça do som o seu remédio!
Poucas emoções são tão fortes quanto ouvir a música preferida tocar aleatoriamente no rádio do carro ou em uma festa. Os pelos do braço instantaneamente ficam arrepiados, os olhos se arregalam e uma série de memórias trazidas por aquela canção surgem na cabeça em uma fração de segundos.
Se para alguns a música muitas vezes parece causar uma explosão de fogos de artifício no cérebro, saibam que cientificamente não estão errados. Foi desta forma que o neurologista e músico Marco Morel descreveu a atividade cerebral ao ouvir o som dos acordes de uma banda reunidos.
“A música é uma atividade, uma disciplina, que ativa todas as funções cerebrais simultaneamente como nenhuma outra. […] Nós brincamos que a música é como se fosse a queima de fogos na praia de Copacabana na virada do ano, é isso que acontece no cérebro. Todas as áreas se comunicam em simultâneo, e dialogam como nenhuma outra atividade.”
Pelo poder da música no cérebro, médicos e pesquisadores de todo o mundo tem usado canções para tratar pessoas com distúrbios como Alzheimer, que leva a perda gradual da memória. Segundo Morel, pacientes em estado avançado da doença mostraram interações surpreendentes ao ouvirem a canção preferida da infância ou até mesmo do casamento.
“Alguns estudos feitos em asilos especializados em pessoas com Alzheimer, no qual estes pacientes não tinham tipos de contato verbal ou aparentemente não tinham mais contato com a vida externa, colocaram para tocar as músicas que eles escutavam na infância, recém-casados ou em outras fases da vida. Esse estímulo fez com que estes pacientes começassem a falar, se lembrar de outras coisas e isso deixou até os cuidadores arrepiados.”
Morel explica que esse tipo de situação acontece porque a música é capaz de ativar memórias e acessar reações de diferentes partes do cérebro, como sensações, cheiros e até gostos, que outras atividades, como a literatura, não conseguem.
“Por exemplo, se você lembrar de algum livro que você leu, do que você comeu ontem ou de algum episódio bom, ou ruim que aconteceu um ano atrás, o cérebro vai ativar o lóbulo temporal, áreas frontais que são mais envolvidas com a memória. Já a música ativa estas áreas e outras envolvidas com emoções que são mais abstratas, mais avançadas e envolvem sentimentos mais refinados, gostos e sensações.”
O neurologista reconhece que alguns estudos preferem usar músicas genéricas para tratar pacientes, como as canções eruditas de Beethoven ou Mozart. Entretanto, Morel defende que cada paciente deve receber um tratamento individualizado com sons que instiguem memórias pessoais e únicas.
“A música é uma máquina do tempo, eu mesmo uso isso com os meus pacientes com demências. […] A neuroplasticidade — capacidade do cérebro de se adaptar a mudanças ou lesões — é um fenômeno que ajuda pacientes a superar traumas, ansiedade e depressão a partir de tratamentos com a música. Não há outro fenômeno hoje conhecido que tenha tanto benefício nessa área quanto a música.”
Pesquisas brasileiras indicam que ouvir música pode ajudar até a controlar a pressão arterial de pessoas no CTI (centro de terapia intensiva), ideal para pacientes que se recuperam de AVCs (acidente vascular cerebral) ou mesmo sofrem com algum tipo de pressão intercraniana.
Além das doenças já citadas, como Alzheimer e depressão, o tratamento com músicas pode ajudar pacientes com insônia, crises de pânico, bipolaridade e até mesmo Parkinson.
“A doença de Parkinson não é apenas tremor, ela também envolve rigidez dos membros e, principalmente, instabilidade postural. O paciente com Parkinson tem problema para andar, a marcha fica mais rígida com passos mais curtos e arrastados, com tendência de queda para os lados e para frente. A música, principalmente rítmica, contribui muito [para a melhora do quadro]. A diferença é gritante. Parece que você colocou um marcapasso nas pernas.”
Ainda segundo o neurologista, aprender a tocar instrumentos musicais desde a infância tem efeito significativo na construção cerebral, além dos impactos significativos observados também em adultos e idosos.
“Os músicos profissionais avaliados em comparação com os músicos amadores tiveram resultados muito acima da média nas funções executivas, como atenção, concentração, capacidade de fazer multitarefas e capacidade de planejamento estratégico a longo prazo”, concluiu Morel.
Depois da crise no setor da cultura provocada pela pandemia e falta de incentivos, a arte nas periferias retoma aos poucos suas atividades
Desde cedo os moradores de comunidades sentem que terão que se empenhar mais para entrarem no mercado de trabalho e isso acaba incentivando os mesmos a buscarem alternativas para fazer o capital circular na própria vila.
E os números confirmam isso: Com cerca de 1,21 milhão de pessoas desempregadas em Minas Gerais, conforme o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), muitos encontram na informalidade um meio de obterem renda para o sustento. Nas favelas e periferias do Estado, essa realidade é mais frequente e comum, por estarem afastados dos grandes centros e pelas diferenças sociais existentes no país.
O pensamento do produtor e gestor cultural Oderval Júnior, de 42 anos, seguiu essa linha. Ele fundou o projeto Noite de Cinema, com o intuito de promover a cultura cinematográfica na região metropolitana da capital. A iniciativa partiu dele, ao observar a carência de produções audiovisuais alternativas nas periferias do Estado.
O início foi em 2012, mas somente a partir de 2019 foi possível obter um retorno financeiro do empreendimento. “É um investimento incerto e duvidoso, mas com muita dedicação e trabalho, hoje chegamos a dez anos de trajetória”, contou Oderval.
Mesmo ainda não sendo possível viver somente das ações coletivas, os planos do gestor cultural não param. Agora com o projeto mais recente, a criação do Cine Teatro Popular, em Ribeirão das Neves, ele pretende buscar parcerias e ser selecionado em editais de incentivo à cultura.
Ele sabe que sempre vai encontrar dificuldades no caminho, mas reforça que para quem trabalha com ações socioculturais não existe a opção de desistir. Não deixe que o sonho fique só na sua cabeça, faça o máximo para realizá-lo. A satisfação da realização de um sonho é inexplicável e única.
Johnny Kiff e os integrantes do clipe da música País Errado
Foto: Arquivo pessoal
E quando a vontade existe, encontra-se um meio para concretizá-la. Johnny Kiff, de 30 anos, começou a compor com 15 anos. Visando o objetivo de estar próximo das câmeras, o músico cursou comunicação social na UFMG. Após trabalhar dois anos como jornalista em uma TV pública, percebeu que o desejo de empreender tanto no audiovisual quanto na música era maior. Hoje, concilia a música com as câmeras de forma independente e produz artistas e também a própria banda, chamada Revolução.
O produtor audiovisual faz questão de cantar as próprias composições quando se trata de gerar renda, mesmo sem o apoio das mídias tradicionais. Acrescenta que “o próprio contexto do domínio monopolizado das rádios pelos produtores sertanejos é um fator bastante injusto. Todavia a internet está aí para democratizar um pouco as coisas”. Durante a pandemia, a música da banda, chamada Fake News alcançou um milhão de ouvintes no Instagram.
Assim como Oderval, Johnny passa por momentos desafiadores, mas a vontade de superar persiste. “Como músico independente me sinto como um artesão concorrendo contra grandes corporações industriais, e, ao mesmo tempo em que isso é cruel, é também uma grande motivação”, explica o músico.
Cantor e compositor Rafael Ferrazzo
Foto: Arquivo pessoal
Gostar do que faz deveria ser fundamental em qualquer profissão, mas nem sempre isso é possível. Rafael Ferrazzo, de 36 anos, consegue ter independência financeira como cantor e compositor sertanejo, mas antes de deixar o emprego fixo, foi preciso fazer um planejamento.
Ele conta que na cidade onde mora, na região metropolitana de Belo Horizonte, falta apoio à cultura, além da queda dos shows e eventos causados pela pandemia. O cantor já está há sete anos no mercado, mas alerta quem quer seguir pelo mesmo caminho: leve a música em paralelo com outro trabalho e estudo.
Locutor e palhaço Alexandre Brasil
Foto: Arquivo pessoal
Buscar alternativas para encaixar as tarefas que dão prazer às que são necessárias, é uma forma de inserir a produção da arte gradualmente no emprego formal. O locutor Alexandre Brasil, de 38 anos, associou a profissão com algo que gosta.
“Vi alguns palhaços trabalhando na região de Venda Nova e tomei gosto pela coisa. Há 13 anos comecei a trabalhar de palhaço em festas de criança”, relembra a trajetória. Hoje, Alexandre atua como DJ, locutor, palhaço, professor de dança e aluga equipamentos de som e iluminação para complementar o orçamento. Ele fala sobre as mesmas dificuldades que existem no início de qualquer profissão e se alegra em dizer que hoje conseguiu conquistar o público da região de Venda Nova e é querido pela maioria.
Afrofuturista e desenvolvedor de sites Helder Àlagba
Foto: Arquivo pessoal
Antes de perceber a arte como um negócio, é preciso ter ciência de que o projeto ultrapassa o dom artístico. Exige estratégias para transformá-la em uma economia criativa. O escritor afrofuturista e desenvolvedor de sites, Helder Àlagba, de 31 anos, diz que fazer arte é sobre ser honesto com a própria alma.
“Se sua alma é preenchida de arte, não há outro caminho a seguir. É uma ilusão acreditar que eu seria feliz fazendo outra coisa, e acredite, eu tentei”, declara o autor. Helder é um exemplo de quem começou a ter um incentivo comercial somente após muita divulgação própria nas redes sociais, porém, gradual. “O problema da bonificação oriunda das mídias como o Instagram é que elas alimentam apenas o ego, sem qualquer responsabilidade com as contas que nos cercam todo mês”, explica. O autor se afasta da escrita nos momentos em que precisa usar outra habilidade para sobreviver.
Mestre Navalha e o grupo Mandinga de Minas
Foto: Arquivo pessoal
Essa realidade é comum aos artistas das favelas. Edimar de Jesus, de 38 anos, conhecido como Mestre Navalha, iniciou as atividades culturais em 1992 e atua como mestre de capoeira há 17 anos. Mas para garantir o sustento, precisa trabalhar também na área da construção civil.
Navalha conta que pratica a capoeira não somente como um meio de trabalho, é também um modo de vida para “desviar das coisas ruins que a periferia oferece”, explica. Ele destaca o fato da capoeira ser julgada como uma cultura malandreada, onde pensavam que ela seria também um meio de viver de modo malandreado.
Porém, o mestre se orgulha em dizer que foi essa arte que proporcionou a ele saúde, educação, motivação e formação profissional. “Como a capoeira tem origem negra, a musicalidade dela se funde com a história do país como forma de protesto pelo nosso passado de escravidão. É também uma valorização do presente e incentivo a um futuro com mais respeito”, reflete.
Bailarino Nilson Silveira
Foto: Arquivo pessoal
Os obstáculos e as portas fechadas podem ser aproveitados como incentivo e servirem para fortalecer ainda mais a possibilidade da realização de um sonho. No caso do coreógrafo e maítre de ballet Nilson Silveira, de 58 anos, o objetivo era de ser ator, mas ficou decepcionado com o resultado de uma prova que fez no Palácio das Artes em Belo Horizonte.
A tristeza não o afastou dos palcos, pelo contrário, o coreógrafo continuou frequentando o espaço. Um dia ele assistiu a um ensaio de dança e ali despertou o desejo de estar naquele ambiente artístico e assim iniciou a carreira, há 38 anos.
Nilson sempre teve o respeito e o sucesso desejado e diz que o segredo disso é ouvir o coração: “Em todas as áreas, o mais importante é a sua satisfação e felicidade. Sendo assim, se você olhar dessa forma, o sucesso e a remuneração virão como consequência”.
Em 1972, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Elis Regina, Milton Nascimento, Novos Baianos e Paulinho da Viola lançaram LPs (long plays) que mais tarde seriam considerados clássicos da música popular brasileira. Dos 6 álbuns, 3 estão no top 10 do ranking “Os 100 maiores discos da música brasileira”, publicado pela versão nacional da revista Rolling Stone (RS) em outubro de 2007.
Por ocasião dos aniversários de 50 anos dessas obras, foram entrevistados pesquisadores e jornalistas especializados no assunto.
OS 6 CLÁSSICOS QUE COMPLETAM 50 ANOS
Eis os LPs de 1972 que estão entre os 100 maiores álbuns da música brasileira, na ordem em que aparecem no ranking.
ELIS
Como 6 dos 18 álbuns de estúdio de Elis Regina (1945-1982) chamam-se “Elis”, o LP lançado em maio de 1972 ficou conhecido como “o disco da cadeira”. Foi gravado no mês anterior, com produção de Roberto Menescal e arranjos de César Camargo Mariano. Ocupa a 98ª posição da lista –“Falso brilhante” (1976), na 36ª colocação, é o outro álbum de Elis presente no ranking.
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Capa do LP “Elis”, de Elis Regina
O 1º registro em LP de “Águas de Março” (Tom Jobim) está aqui. A canção foi apresentada ao público durante show realizado 1 mês antes do disco chegar nas lojas. A novidade criou expectativa: “Assim, sem mais nem menos, estamos aguardando o lançamento do novo disco de Elis Regina, onde ela canta ‘Águas de Março’ de Antônio Carlos Jobim”, escreveu Walter Silva para a Folha de S. Paulo na época. Algumas semanas antes, o mesmo jornal havia publicado nota sobre a “linda e recente” composição de Tom.
O resultado em estúdio agradou os jornalistas que escreviam sobre música, apesar de Silva ter mencionado um possível “problema de mixagem” na faixa. Nota publicada no O Globo diz: “Nada mais simples e lindo que ‘Águas de Março’. Elis, no disco, nos dá uma aula espetacular de divisão de compasso e domínio de respiração. É, até que provem o contrário, a música do ano”.
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Reprodução do jornal Folha de S. Paulo de 31 de maio de 1972
Em uma edição diferente, o jornal menciona outras das 12 músicas do álbum. Destaca “Boa noite, amor” (Francisco Mattoso e Zequinha de Abreu), “Vida de Bailarina” (Americo Seixas e Dorival Silva), “Olhos Abertos” (Zé Rodrix e Guarabyra), “Atrás da Porta” (Chico Buarque e Francis Hime), “Nada Será como Antes” e “Cais” (Milton Nascimento e Ronaldo Bastos). No último parágrafo, depois de falar sobre a potência vocal da cantora gaúcha, diz: “Essas qualidades, mais o bom repertório escolhido, fazem do novo disco uma pedida certa e indispensável”.
“Elis” 50 anos depois
A jornalista Chris Fuscaldo foi entrevistada, que também é musicista e doutora pelo programa de Literatura, Cultura e Contemporaneidade da PUC-Rio. Perguntamos se “Elis” continua relevante 50 anos depois do seu lançamento. Eis a resposta:
“Super [relevante]. Curiosamente, esse é o momento de isolamento da Elis. Ela teve uma vida de muitos amores, altos e baixos, brigas, experimentações, viagens. Foi uma vida bem agitada, e de repente ela vai para o campo. Esse disco é a cara desse momento de isolamento que ela está vivendo. Isolamento esse que nós fomos obrigados a viver nesses últimos 2 anos. Em 2022, a gente não vai estar tão livre quanto estava em 2019”.
Em 2021, Chris Fuscaldo e o jornalista Marcelo Bortoloti publicaram o livro “Viver é melhor que sonhar”, sobre Belchior. Fuscaldo diz: “Esse disco tem ‘Mucuripe’, música do Belchior e do Fagner, que é extremamente contemplativa. Uma música que não tem nada a ver com o campo –pelo contrário, tem a ver com água, com mar. Mas se você parar para pensar, parece que ela [Elis] tá na beira do mar contemplando. Então esse era um momento muito contemplativo dela, e é uma coisa que todos nós, de alguma forma, fomos obrigados a viver”.
A DANÇA DA SOLIDÃO
Um dos poucos discos de samba presentes no ranking, não poderia ter sido lançado de outra forma: roda de samba com amigos na sede da gravadora Odeon em uma noite de 6ª feira (6.out). O próprio Paulinho distribuiu os convites, “mas quem gosta de música será recebido com chope e alegria”, dizia nota do O Globo do dia.
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Capa do LP “A Dança da Solidão”, de Paulinho da Viola
“A Dança da Solidão” é o 5º álbum de estúdio de Paulinho da Viola. Ocupa o 30º lugar na lista da RS, tendo a 2ª posição mais alta entre os álbuns do gênero. Atrás apenas de “Cartola”, de 1976 (8ª colocação geral).
O álbum teve produção de Milton Miranda e direção musical de maestro Gaya, que também orquestrou e regeu os arranjos. A capa é assinada por Elifas Andreato, designer e ilustrador responsável pela arte de “Nação” (Clara Nunes, 1982), “Canta Canta, Minha Gente” (Martinho da Vila, 1974), “Nervos de Aço” (Paulinho da Viola, 1973) e muitos outros.
No repertório, composições próprias (“Guardei minha viola”, “No Pagode do Vavá”, “Ironia” e “Dança da Solidão”); parcerias (“Coração imprudente” e “Orgulho”, ambas com Capinan); e de terceiros. Entre os compositores gravados, Geraldo das Neves (“Papelão”), Nelson Cavaquinho (“Duas horas da manhã”, com Ary Monteiro), Nelson Sargento (“Falso moralista”) e Cartola (“Acontece”).
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Reprodução do jornal O Globo de 6 de outubro de 1972
Crítica de “A Dança da Solidão” publicada na Folha de S. Paulo dizia: “A MPB atual está dividida em 3 correntes: a dos continuadores da bossa-nova (Milton Nascimento, Dori Caymmi), do som universal (Caetano Veloso, Gilberto Gil) e do sambão tradicional (Martinho da Vila, Candeia). Nesta última corrente, sem dúvida nenhuma o compositor mais criativo é Paulinho da Viola […]”.
Também recebeu elogios no O Globo. Heitor Quartin disse: “Como intérprete e compositor, Paulinho da Viola é Sucesso em Madureira ou Ipanema. […] O samba pode ser da pesada ou mais sofisticado. Pode ser cantando na Avenida ou na Banda de Ipanema. Mas não vai nisso nenhuma intenção de ‘fabricar o sucesso’. É que ele é isso mesmo, bom de viola, bom de notas, bom de poesia”.
“A Dança da Solidão” 50 anos depois
Fernando Paiva , que é vice-presidente do Instituto Glória ao Samba, pesquisador e entusiasta do gênero. Perguntamos o que explicaria o bom desempenho de “A Dança da Solidão” no ranking, tendo em vista a presença tímida de discos de samba na lista. Eis a resposta:
“É um disco com um repertório de peso, tem uma escolha de letras muito acima da média. Traz muito da simplicidade do samba: cavaquinho, pandeiro, agogô… É possível escutar a marcação do surdo… Até surpreende estar nessa lista por ser um disco de samba tradicional. Geralmente essas listas escolhem trabalhos que transformaram ou inovaram”.
EXPRESSO 2222
Gilberto Gil voltou ao Brasil em janeiro de 1972, depois de passar 3 anos exilado em Londres com Caetano Veloso. O cantor, compositor e instrumentista baiano havia lançado o LP “Gilberto Gil” no ano anterior. Ao retornar do Reino Unido, disse que o seu próximo disco seria apenas o registro da mais recente etapa do seu trabalho.
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Cara do LP “Expresso 2222”, de Gilberto Gil
“Expresso 2222”, seu 6º álbum de estúdio, chegou às lojas em julho daquele ano. Em 2007, o trabalho seria eleito o 26º maior disco do país pela lista da RS. Sendo, entre os 4 trabalhos solo de Gil citados, o melhor classificado –os demais são “Refazenda” (1975), na 43ª posição; “Refavela” (1977), em 54ª; “Gilberto Gil” (1968), como 78ª.
Entre as 9 faixas de “2222” (como os jornais da época se referiam ao LP, devido a este ser o único texto verbal presente na capa), experiências (criações próprias) e amostras de suas raízes (obras de outros compositores brasileiros).
A instrumental “Pipoca Moderna” (Sebastião Bianco), “O canto da Ema” (João do Vale, Aires Viana e Alventino Cavalcanti), “Chiclete com banana” (Almira Castilho e Gordurinha) e “Sai do sereno” (Onildo Almeida) são as músicas que Gil pegou emprestadas de conterrâneos.
A maioria das composições próprias – “Back in Bahia”, “Ele e eu”, “Expresso 2222”, “O sonho acabou” e “Oriente”– foram escritas ainda na capital inglesa, arranjadas no Brasil e aprimoradas durante shows até, por fim, serem gravadas em São Paulo.
Reprodução
Reprodução do jornal Folha de S. Paulo de 21 de julho de 1972
O disco teve direção de produção de Guilherme Araújo, coordenação de Roberto Menescal e direção musical do próprio Gil. Os instrumentistas Lany Gordin (guitarra), Bruce Henry (baixo), Antônio Perna (piano) e Tutty Moreno colaboraram com os arranjos. Gal Costa participou da gravação de “Sai do sereno”; a Banda de Pífanos de Caruaru, de “Pipoca moderna”.
No dia seguinte ao lançamento de “Expresso 2222”, O Globo publicou uma nota na sessão de discos. Dizia: “Dentre este grupo de baianos que de uma hora para outra tomou conta de um setor da MPB, alguns poucos realmente convencem, enquanto outros fazem onda apenas, se aproveitando do fato de já ter sido aberto o caminho na frente. Gil é disparado o melhor, o mais profundo, o mais talentoso, aquele menos preocupado com a imagem e mais ‘na do compor’, o mais simples, o mais autêntico”.
Ibanez Filho, da Folha de S. Paulo, escreveu uma longa crítica. “O disco realmente é um registro, no sentido em que é a realização final, acabada, lapidada e perfeita, das experiências musicais da última fase do trabalho de Gilberto Gil”, diz.
Depois de comentar as principais faixas do álbum, Filho escreve: “O disco é perfeito. Gostar ou não do LP torna-se assim apenas uma questão pessoal e subjetiva. Sem dúvida nenhuma, este disco, encarado como um registro pelo seu criador, já é um marco dentro da evolução da música popular brasileira”.
“Expresso 2222” 50 anos depois
O jornalista Luiz Filipe Carneiro fez um vídeo dedicado ao “Expresso 2222” para o seu no canal no Youtube, Alta Fidelidade. Ele diz: “O que mais me impressiona nesse disco é a ponte que ele [Gilberto Gil] faz das suas origens para o futuro”.
Mais adiante no vídeo, Carneiro diz: “[Expresso 2222] pode representar o sonho da música universal do Gilberto Gil. Uma música tão rica que acaba agradando a quase todos. Seja o moleque roqueiro, seja o pai ou avó fã de Luiz Gonzaga ou João Gilberto, seja o tio fã de Bob Marley”.
Carneiro ainda fala sobre a importância de “Expresso 2222” na carreira do Gil: “Eu acho que esse disco representa uma espécie de farol. Acredito que tudo que ele fez depois tenha algo do ‘Expresso 2222’. Difícil imaginar o ‘Refavela’, a fase pop na década de 80 ou ‘Parabolicamará’ [de 1992] sem o ‘Expresso 2222’. Difícil imaginar os tributos a Bob Marley e Luiz Gonzaga, nos anos 2000, sem o ‘Expresso 2222’”. Assista ao vídeo (8min09s).
Escute a playlist do álbum no canal oficial do artista no YouTube:
TRANSA
Caetano Veloso é o artista com mais álbuns solo na revista. Entre os 5 discos do cantor e compositor mencionados na lista, “Transa” é o trabalho melhor posicionado. É o 10º colocado entre 100.
Sucessor de “Caetano Veloso” (também chamado por fãs e críticos de “London, London”, de 1971), foi seu 2º disco gravado durante o exílio. Seria lançado no Brasil em março, mas só chegou às lojas em maio daquele ano.
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Capa do LP “Transa”, de Caetano Veloso
Assim como o disco anterior, “Transa” foi produzido por Ralph Mace. O britânico ficou encarregado das questões técnicas da gravação. Já o cantor, compositor e violonista carioca Jards Macalé foi responsável pela “direção artística” dos arranjos –que ele, Caetano, Moacyr Albuquerque (baixo), Áureo de Souza (percussão) e Tutty Moreno (bateria) criaram. Esses músicos acompanharam Veloso nas primeiras apresentações realizadas depois de sua volta ao Brasil.
Foi em um show no Tuca (Teatro da Universidade Católica), em São Paulo, que a imprensa conheceu algumas das canções que estariam no LP. Em resenha publicada na Folha de S. Paulo, Walter Silva destacou “Triste Bahia” (releitura do poema de Gregório de Mattos), “It’s a long way” (Veloso) e “Mora na Filosofia” (Monsueto Menezes e Arnaldo Passos).
Completam o repertório do disco: “You Don’t Know Me“, “Neolithic Man“, “Nostalgia (That’s What Rock’n Roll Is All About)” e “Nine Out of Ten“. Esta última, segundo o próprio Caetano, sua melhor composição em inglês.
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Reprodução do jornal Folha de S. Paulo de 27 de maio de 1972
Se o 1º trabalho de Caetano nas Terras da Rainha ficou marcado pela saudade e a tristeza de um baiano na cinzenta capital inglesa, às vésperas de seu retorno o artista compôs como um estrangeiro que aprendeu a gostar das diferenças. “Não existe mais o ambiente cinza e frio de ‘London, London’, que foi substituído pela agitação de Porto Bello Road ou os filmes do Eletric Cinema que fazem o compositor chorar e se sentir vivo […]”, disse Ibanez Filho em resenha publicada na Folha. Referiu-se à “Nine Out of Ten”, mas o comentário continua verdadeiro se estendido para todo o álbum.
“Transa” 50 anos depois
Allan de Paula Oliveira, músico, pesquisador e professor da graduação e pós-graduação em Música Popular na Unespar (Universidade Estadual do Paraná). De 2016 a 2017, Oliveira e o acadêmico João Pedro Schmidt realizaram um projeto de iniciação científica sobre o disco. “O ‘Transa’ é o trabalho onde o Caetano começa a trabalhar de uma forma que viria a marcar a carreira dele. Tá muito próximo do LP de 71 em termos de sonoridade, mas tem uma ruptura. Afirma uma sonoridade de banda e aponta para um elemento muito importante na obra do Caetano, que é um certo cosmopolitismo”, diz Oliveira.
Oliveira foi perguntado se o trabalho continua relevante 50 anos depois do seu lançamento. Eis a resposta: “Ainda é um álbum excelente. Eu acho engraçado como algumas bandas soam datadas e outras não. Você ouve coisas da década de 70 e elas têm ‘cara de década de 70’. O ‘Transa’ não tem. É um disco que poderia ser feito hoje. Claro, tem ‘um espírito’ da década de 70, mas de uma maneira tão sofisticada, tão sutil, que o álbum é perene”.
CLUBE DA ESQUINA
Em 1972, Milton Nascimento era considerado um dos principais nomes da música popular brasileira. Apenas 5 anos depois do seu álbum de estreia, “Travessia” (1967), o cantor e compositor carioca conseguiu fazer com que os grandes jornais do eixo Rio-São Paulo dessem alguma atenção para o que acontecia fora do próprio umbigo. Não só isso: com base nos acervos digitalizados dos principais veículos brasileiros, é possível dizer que os próximos passos de Bituca era um dos assuntos que mais interessavam aos jornalistas que cobriam a MPB.
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Capa do LP “Clube da Esquina”, de Milton Nascimento e Lô Borges
A expectativa pelo 5º álbum de estúdio do cantor era grande. Sabia-se que Nascimento dava uma pausa na criação para dedicar seu tempo ao projeto: um LP com canções compostas ao longo dos 2 anos em que estava morando em Minas Gerais, em parceria com artistas locais. E um show, que serviria para apresentar as músicas ao público antes do lançamento do disco.
Na contramão de tudo que era feito no setor fonográfico brasileiro, as capitais paulista e fluminense foram colocadas em 2º lugar. Em entrevista publicada pelo O Globo em 14 de janeiro de 1972, Milton contou porque preteriu os grandes centros. “Esta turma daqui de Minas é boa mesmo. Estão aí o Márcio Borges, o Toninho Horta, o Fernando Brant e o Lô [Borges] para provar o que digo. Mas em termos de mercado só existe mesmo Rio e São Paulo. Principalmente o Rio. Vamos lançar o long play aqui [em Minas Gerais] porque a turma é quase toda de Belo Horizonte. A gente já fez muita coisa juntos e agora resolvemos lançar o ‘Clube da Esquina’ no lugar de origem”, diz o cantor.
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Reprodução do jornal O Globo de 14 de janeiro de 1972
Quando chegou às lojas, uma informação até então ignorada pela imprensa ganhou destaque. “Clube da Esquina” era um LP de Milton Nascimento “com Lô Borges”. O cantor e compositor mineiro, pouco conhecido a nível nacional, assinava 8 das 21 faixas do álbum duplo. São elas: “Tudo que você podia ser”, “Um girassol da cor do seu cabelo”, “Estrelas” e “Trem de doido” (com Márcio Borges); “O trem azul” e “Nuvem cigana” (com Ronaldo Bastos); “Paisagem da janela” (com Fernando Brant) e “Clube da Esquina nº2” (com Milton e Márcio Borges). Ainda em 1972, Borges lançaria pela Odeon o seu primeiro álbum solo, “Lô Borges”.
A divisão do protagonismo foi questionada. “Muita gente, mesmo entendendo das coisas, acha que eu dei tremenda colher de chá ao Lô, ao destacá-lo em meu disco. Nada disso. Primeiro, o disco não é meu só, mas de todo mundo que aparece na capa, gente em que acredito. A ideia foi juntar essa gente num trabalho. Foi um negócio criado por Lô e por mim”, disse Milton ao O Globo de 23 de março de 1972. Essa questão, porém, nem de longe ameaçou a discussão sobre a qualidade do trabalho.
Com direção de produção de Milton Miranda, direção musical do Maestro Gaya e orquestração de Eumir Deodato e Wagner Tiso, “Clube da Esquina” foi bem-recebido pela crítica. “Dois discos compõem este excepcional lançamento da Odeon, que representa sem nenhum favor o que de melhor está sendo feito em matéria de Música Popular Brasileira no momento”, diz nota no O Globo de 26 de abril.
“Clube da esquina” 50 anos depois
O jornalista Emerson Gasperin, que foi editor-chefe da extinta revista Bizz, comentou o seguinte: “O ‘Clube da Esquina’ é um disco muito importante para o contexto brasileiro porque ‘resgata’ essa alma caipira do país. É um disco rural, folk, moda de viola… E é tão brasileiro quanto um disco de samba ou de outro ritmo que tenha matriz negra”.
Kamille Viola, que além de repórter é pesquisadora e autora do livro “África Brasil: Um dia Jorge Ben voou para toda a gente ver”, disse: “‘Clube da Esquina’ é um disco clássico da MPB. Atemporal, soa bem até hoje. Reflete a época: vai dos temas mais hippies até à questão política. Todos os artistas do Clube da Esquina fizeram carreira. É um disco do meu coração, mas é um disco do coração da música brasileira“.
ACABOU CHORARE
Nem João Gilberto, nem Dorival Caymmi. Tampouco Gal Costa, Maria Bethânia, Gilberto Gil, Caetano Veloso. Ou mesmo Raul Seixas. Em uma lista marcada pela grande quantidade de consagrados artistas da Bahia, o título de maior disco da música brasileira pertence a “Acabou Chorare”, dos Novos Baianos.
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Capa do LP “Acabou Chorare”, dos Novos baianos
Baby do Brasil, Morais Moreira, Luiz Galvão, Paulinho Boca de Cantor, Pepeu Gomes, Jorginho Gomes e Dadi Carvalho reuniram-se em Salvador. E morando na capital baiana gravaram um compacto e seu 1º álbum de estúdio, “É ferro na boneca” (1970). Mas foi vivendo em um sítio no bairro Jacarepaguá, cidade do Rio de Janeiro, que o grupo produziu o álbum em questão.
Lançado em outubro de 1972 pela Som Livre, braço fonográfico do Grupo Globo, o LP dividiu opiniões no O Globo. Nota publicada no dia 27 classificava o trabalho como “notável”. “Eis aí um conjunto que finalmente achou o seu verdadeiro caminho: ritmo e som da 1ª a última faixa –brasileiro e autêntico. Um senhor lançamento”, dizia o texto de 12 linhas.
O jornal publicou uma crítica 2 dias depois. Depois de elogiar o projeto gráfico da capa, comenta o estilo novo estilo musical apresentado pelo grupo: “[…] procuram evidentemente uma formulação diferente, um pouco afastada da concorrência de Caetano, Gil e Cia, sem chegar a radicalismos. […] Para isso, aproximam-se mais de Gil, sem esquecer o tradicional ‘Brasil Pandeiro’, de Assis Valente. Somado a ‘Besta é tu’, ‘Preta, pretinha’ e outras milongas, o que fazem é uma verdadeira salada dentro de uma embalagem de caviar”, diz o texto.
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Reprodução do jornal O Globo de 29 de outubro de 1972
A Folha de S. Paulo também deu nota sobre o disco. Dizia que os artistas “entraram no samba sem perderem seu swing característico. Suas composições, que sempre foram boas, mas tinham muita influência de Caetano e Gil, amadurecem”. O texto ainda menciona uma das novas fontes de inspiração da banda. “A convivência com João Gilberto também abriu novas perspectivas para os Novos Baianos que, agora, são donos de um som exclusivamente seu”.
“Acabou Chorare” 50 anos depois
Emerson Gasperin também comentou sobre o maior disco da música brasileira: “Eu acho que ‘Acabou Chorare’ é o melhor disco dos Novos Baianos e entra fácil num top 5 de todos os discos da música brasileira. Tanto pelo que ele é, quanto pelo que ele influenciou, pelas pistas que ele deu”.
O jornalista, que participou da votação para a lista da RS, explica a posição que o LP ocupa: “Se tu der ‘Acabou Chorare’ para um australiano escutar, ele vai identificar muitas coisas de um pop mundial e ao mesmo tempo ele não vai ter dúvida nenhuma que aquilo é brasileiro. Eu acho isso mágico: conseguir dialogar com um monte de culturas diferentes sem perder a tua identidade. Não é uma banda de rock brasileira que é igual uma banda de rock argentina que é igual uma banda de rock polonesa. É totalmente brasileiro e totalmente universal”.
Por fim, Gasperin foi perguntado sobre o que “Acabou Chorare” tem que os demais álbuns do grupo não têm. Eis a resposta: “Eu não acho que os Novos Baianos tiveram muitas guinadas. Os [LPs] que vieram logo depois, ‘Novos Baianos Futebol Clube’ e ‘Novos Baianos’ são discos igualmente bons, sabe? São inferiores só porque o ‘Acabou Chorare’ veio primeiro e meio que cristalizou o estilo. Ali, encontraram a voz, a autoria, a assinatura artística deles. Os discos de 73 de 74 são evoluções naturais, com momentos piores e momentos melhores. ‘Acabou Chorare’ acaba tendo essa relevância toda pelo pioneirismo dentro da discografia do grupo”.
DÉCADA DE CLÁSSICOS
Com 6 álbuns, 1972 é apenas o 4º ano com mais representantes no ranking da RS. Fica atrás de 1975 e 1976 –ambos com 7 lançamentos na lista. E de 1973, com 10. Porém, 1972 é o único ano com mais de 1 disco no top 10.
“A década como um todo foi muito movimentada e marcante, com o surgimento e a firmação dos grandes nomes da música brasileira. E 1972 é parte dessa década”, diz Chris Fuscaldo. A jornalista e pesquisadora deu a declaração ao ser perguntada se considerava 1972 um ano “especial” para a música brasileira. Como sugere texto publicado pelo Diário Catarinense (Florianópolis) em 2012.
Uma divisão cronolófica do ranking vai ao encontro do comentário de Fuscaldo. Dos 100 discos, 51 foram lançados de 1970 a 1979. O 2º decênio com mais álbuns na lista é de 1960 a 1969, com 16 LPs.
“Desde 2020,elencar os grandes discos da música brasileira que fazem 50 anos é uma matéria que pode ser repetida a cada 1º de janeiro. Entramos em uma fase de ouro da música brasileira. Em 1972 teve vários clássicos, mas em 1973 também teve vários clássicos. E em 1971 teve vários clássicos. Não acho 1972 melhor ou pior que os outros anos [da década de 70]”, diz Emerson Gasperin.
Dados da Abinee (Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica) mostram que as vendas de discos (compacto simples, compacto duplo e long play) e fitas (K7 e K7 duplo) no Brasil cresceram 454% em 1979 ante 1968. Os números são apresentados no artigo “Transformações na indústria fonográfica brasileira nos anos 1970”, do pesquisador Gustavo Barletta Machado.
Machado relaciona esse boom às mudanças no padrão de consumo possibilitadas pelo momento político e econômico do país. A produção e o consumo de bens culturais cresceram durante a cívico-militar que durou de 1964 a 1985. Consequência do chamado “Milagre Econômico” com uma estratégia de integração nacional na qual o setor de telecomunicações foi importante. “Diferentemente do que ocorreu no período [de Getúlio] Vargas, foram os grupos privados que tiveram o papel principal no projeto de integração nacional, embora os investimentos estatais na infraestrutura necessária tenham sido volumosos”, diz o autor.
Um dos agentes privados ao quais o texto refere-se é o Grupo Globo. Ainda de acordo com a Abinee, foi em 1973 que o long play superou os formatos compacto simples e compacto duplo. O conglomerado da família Marinho teve parte nessa mudança. Com a criação da Som Livre, em 1971, a empresa carioca passou a produzir (e vender) álbuns com a trilha sonora das telenovelas da emissora –sendo sempre 1 disco com musicais nacionais e outro com canções internacionais para cada obra audiovisual.
Mas se a expansão dos Marinho para o mercado fonográfico ajuda a explicar o aumento nas vendas de LPs, sua colaboração no quesito qualitativo é menos notável. Para ilustrar essa relação, basta lembrar que apenas 2 álbuns da Som Livre aparecem na lista da RS. O já mencionado “Acabou Chorare”, e “Fruto Proibido” (1975), de Rita Lee.
Kamille Viola considera 5 fatores relevantes para explicar a qualidade da produção musical brasileira na década de 1970. São eles: a influência de João Gilberto (1931-2019) nas gerações seguintes a sua; a censura promovida pela ditadura cívico-militar; os festivais da canção, realizados de 1965 a 1972 (que eram transmitidos pela TV); o interesse das gravadoras em investir tempo e dinheiro nas produções; e a existência de meios culturais onde havia “muita troca” de experiência entre os artistas.
Todos os jornalistas e pesquisadores consultados disseram ver a ditatura como um dos ingredientes que resultaram na criação de canções e álbuns que mais tarde seriam considerados clássicos.
Allan de Paula Oliveira fala sobre a relação desse elemento com a ascensão da indústria de discos: “De 1965 a 1969, se você quisesse ver o que os compositores estavam fazendo de novo, você iria nos festivais. As gravadoras sabiam disso, então havia um interesse de que artistas participassem”, diz.
O cenário começou a mudar em 13 de dezembro de 1968. Naquele dia, o governo Costa e Silva baixou o AI-5 (Ato Institucional nº 5). Oliveira diz que a medida impactou as competições musicais: “Os festivais de 1969, 1970 e 1971 foram esvaziando. E a edição de 1972, organizado pela Globo, foi um fiasco. As gravadoras percebem que não valia expor os seus artistas ali. E os próprios artistas também se recusavam a participar. Isso explica porque começaram a investir em álbuns”.
Perguntamos a Emerson Gasperin se ter mais investimentos na produção de discos foi determinante para a indústria alcançar os resultados que teve nos anos de 1970. Para responder, o jornalista menciona o livro “Do vinil ao download”, de André Midani:
“Ele [Midani] fala que a indústria da música, nos anos 60 e 70, era a indústria da felicidade. O mainstream era mais sofisticado e as pessoas que trabalhavam com música efetivamente gostavam de música. Do office boy ao presidente da gravadora. Sempre foi um negócio, mas parece que existia um pudor maior de entregar um produto melhor para o consumidor”, diz.
Ainda recorrendo à obra de Midani, Gasperin refere-se a outras características do setor que podem ter colaborado com a “excelência artística” da época. “As gravadoras tinham uma mentalidade de investir na carreira do artista, não no ‘one shot’. Em paralelo, mantinham seus estúdios, suas bandas. Era todo um contexto que favorecia o surgimento espontâneo de obras-primas. E se não fosse espontâneo, dava condições para que o artista eventualmente viesse a compor uma obra-prima nos anos seguintes”.
LISTA DE AUSÊNCIAS
O ranking de 100 maiores discos da música brasileira da revista Rolling Stone (RS) foi elaborado a partir de indicações de 60 jornalistas, produtores e pesquisadores convidados pela revista. Cada especialista indicou 20 álbuns, sem ordem de preferência. Segundo a publicação, “os critérios analisados incluíram valor artístico intrínseco e importância histórica”.
A lista traz “Araçá Azul” (1973), álbum experimental de Caetano Veloso que foi um fracasso de público –as pessoas que compraram o disco na época voltavam nas lojas para devolver o produto. Mas não menciona nenhum LP dos cantores considerados “cafonas” pela crítica –artistas que mais venderam discos na década de 1970.
“Na visão de uma certa elite brasileira, músicas românticas com apelo popular não têm valor”, diz o historiador Paulo Cesar de Araújo. Araújo é autor do livro “Eu não sou cachorro, não: música popular cafona e ditadura militar”, publicado pela editora Record em 2002.
O escritor diz que a visão dominante da música brasileira valoriza os artistas que misturam modernidade com tradição. Um bom exemplo dessa mistura de velho e novo são os trabalhos de Gilberto Gil e Caetano Veloso, principalmente nas décadas de 1960 e 1970. Esse pensamento “também está presente na Semana de Arte Moderna. É algo da elite cultural que se materializou na música”, diz Araújo.
“Os grandes nomes da MPB não são os artistas que mais vendem. Sempre existiu esse abismo entre o sucesso comercial e o que a crítica considera relevante. Existe um desconhecimento da música que a classe média não consome“, fala Kamille Viola.
QUESTÃO DE GOSTO
Considerando apenas álbuns solos, Caetano Veloso (5), Gilberto Gil (4), Jorge Ben (4), Roberto Carlos (4), Tim Maia (4), Os Mutantes (4), Gal Costa (3), Tom Jobim (3) e João Gilberto (3) formam um grupo de 9 artistas que respondem por mais de 1/3 dos 100 grandes discos listados.
Outros 15 artistas têm 2 discos no ranking. Uma delas é Elis Regina, com “Elis” (1972) e “Falso Brilhante” (1976). Ocupam a 98ª e a 36ª colocação, respectivamente. A jornalista Chris Fuscaldo, que participou da votação dessa lista, diz que evita indicar 2 álbuns de um mesmo artista em projetos como esse.
Sobre a classificação dos LPs de Elis Regina, Fuscaldo fala que se sente responsável pela ordem em que os trabalhos aparecem. Ela considera o disco de 1972 “mais primoroso” que o trabalho de 1976. No entanto, indicou este por questões pessoais: “O 1º álbum da Elis que eu conheci foi ‘Falso Brilhante’, então o ‘preferir’ tem toda uma questão afetiva”. Diz ainda que “essa lista é uma colocação de gosto de x pessoas que são convidadas a escolher”.
O jornalista Emerson Gasperin também colaborou com o ranking da RS. Disse que é preciso fazer ressalvas quando o assunto são seleções desse tipo. “Listas sempre vão despertar uma espécie de polêmica porque elas são voláteis. O resultado depende da época em que elas foram feitas, do contexto do mercado, do perfil dos votantes e do próprio perfil de quem organiza a lista, que também vai mudando ao longo do tempo”, diz.
COMERCIAL DE MENOS
Se não há limite para a quantidade de discos lançados por artistas consagrados pela crítica, é inevitável que o resultado tenha pouca diversidade. E a música “cafona” não é o único segmento prejudicado.
A falta de aceitação dos artistas românticos entre os críticos ajuda a entender, em parte, a ausência dos cantores bregas no ranking da RS. Só que não explica a presença tímida do samba no compilado.
O gênero que é símbolo do Brasil tem 8 representantes na lista. Mesmo sendo poucos trabalhos, há certa concentração em nomes que romperam as barreiras que restringem o gênero: Cartola, com seus 2 discos autointitulados (1974 e 1976); e Paulinho da Viola, com “Nervos de Aço” (1973) e “A Dança da Solidão” (1972).
Fernando Paiva, vice-presidente do IGS (Instituto Glória ao Samba), diz que Paulinho é “uma agulha no palheiro”. “Foi uma das poucas pessoas que conseguiram se sobressair fazendo samba tradicional. E fez isso de forma honesta. Você não acha gente da geração dele nessas listas”, diz.
Paiva fala que a crítica musical brasileira “negligenciou” o samba porque o gênero perdeu sua relevância comercial. Os poucos sambistas mencionados são lembrados porque “saíram por grandes gravadoras” ou porque fizeram sucesso tocando no rádio ou na TV. No geral, diz, a discografia do samba é pouco conhecida por aqueles que escrevem sobre o assunto na grande imprensa.
Para Paiva, o fato de muitos sambas terem sido gravados em discos de 78 rotações explica parte desse desconhecimento. Além disso, o recorte das listas em álbuns deixa de fora muito do que foi produzido nos primeiros anos da indústria fonográfica brasileira.
Essa observação vai ao encontro de um comentário de Paulo Cesar de Araújo sobre a ausência da música cafona no ranking da RS. O historiador diz que os cantores brega demoraram para migrar para o long play por conta do valor final do produto: como faziam um tipo de música que era consumido por pessoas com pouco poder aquisitivo, a produção era voltada para discos compactos.
Mais caros, os LPs eram restritos aos artistas da MPB –que apesar de ter “popular” no nome, era (e é) consumida, sobretudo, pelas classes média e alta. A própria ideia dos álbuns musicais como documentos com o mesmo valor dos livros só ganhou força na década de 1970, diz Araújo.
MINORIAS SÃO… MINORIA
Depois que intelectuais dos estudos de gênero e negritude desenvolveram e popularizaram conceitos que ajudam na identificação de preconceitos, analisar a carreira de artistas mulheres e negros mostra que as discriminações existem desde muito antes das discussões sobre elas ganharem força.
Depois de publicar seu livro sobre Jorge Ben, Kamille Viola começou a trabalhar em uma publicação sobre o sambista Martinho da Vila. Mesmo artistas que tiveram sucesso de crítica ou público, como Ben e Martinho, foram afetados de alguma forma.
“O racismo e o machismo na estrutura brasileira fez artistas negros e mulheres serem menosprezados. Tanto a questão de raça quanto a de gênero tiveram e têm impacto na carreira dos músicos. Mesmo no caso do Jorge Ben. Quando chamam ele de ‘força da natureza’, estão reforçando o estereótipo do ‘negro mágico’ (expressão criada por Spike Lee para falar de personagens negros que têm poderes especiais, como uma dádiva) e menosprezando a construção por trás da intelectualidade negra“, diz Viola.
A pesquisadora atribui a presença tímida do samba na lista da RS a um “pensamento eurocêntrico” que influenciou o jornalismo brasileiro. Cita o maestro Letieres Leite ao dizer que a matriz africana é a raiz de toda a música popular da Américas, e fala que “a imprensa fez parte desse processo de apagamento” dessa origem.
Também falta representação de gênero no ranking. Considerando apenas álbuns solo, 8 mulheres conquistaram 12 lugares. São elas: Angela Ro Ro, Aracy de Almeida, Elizeth Cardoso, Gal Costa, Maria Bethânia, Marisa Monte, Elis Regina e Rita Lee.
Chris Fuscaldo fez as pesquisas, entrevistas e escreveu os roteiros do programa “Mulheres do Brasil”, sobre as cantoras e compositoras do país. O programa foi exibido pelo Canal BIS, em 2014. Fuscaldo também trabalhou esse tema em sua tese de doutorado em Literatura, Cultura e Contemporaneidade na PUC-Rio.
Em “Cantautoras: Um ensaio sobre sete mulheres e sua importância na música popular brasileira“, a pesquisadora “reconstrói criticamente” a história de Anastácia, Martinha, Joyce Moreno, Leci Brandão, Sandra de Sá, Roberta Miranda e Margareth Menezes. O trabalho está disponível para leitura e download no repositório da instituição.
Fuscaldo comentou as ausências da lista publicada pela RS em 2007. “A gente tem um problema de representação feminina até hoje. É um problema que existe desde sempre. A mulher acaba sendo colocada num papel de musa. Em geral, é muito mais aquele papel de destaque da beleza, do que de fato ela tem a dizer“.
Fuscaldo cita dados do Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) sobre a distribuição de direitos autorais no Brasil para mostrar que a disparidade entre os gêneros não se restringe à lista. “Em 2020, as mulheres representaram 7,6% dos arrecadadores de direitos autorais no Brasil, enquanto os homens eram 82,4%. As mulheres arrecadaram 91,72% a menos que os homens. E eram só 5 na lista de maiores arrecadadores, contra 93 homens. A não chega a 100 porque algumas pessoas não declaram gênero“, diz.
Para sua tese, Fuscaldo solicitou ao Ecad os dados referentes apenas a cantores e cantoras que também compõem. “Eu descobri que não mudou quase nada: elas são 7,39% dos cantores compositores, enquanto os homens são 82,61%, e arrecadaram 91,61% a menos que os homens. E continuaram sendo só 5 na lista dos maiores arrecadadores“.
“Eu quis trazer esses dados para mostrar que as mulheres sempre foram muito sub-representadas nesse mercado que é extremamente machista. E para mostrar quecantoras como Elis Regina e Maria Bethânia são tão guerreiras quanto Rita Lee e as compositoras. Só que as compositoras sofreram um pouco mais, porque a cantora sempre conquistou mais admiração, tendo um lugar reservado para elas na música brasileira”, diz.
Desde a década de 1990, os cientistas tentam responder como uma música de Mozart consegue acalmar o cérebro de pessoas com epilepsia. A “Sonata para Dois Pianos em Ré Maior, K. 448” é o único arranjo musical conhecido por produzir esse efeito.
Agora, uma pesquisa do Dartmouth College, nos Estados Unidos, parece ter conseguido revelar o segredo por trás das propriedades terapêuticas criando o ‘efeito Mozart K448’, um gênero musical antiepilético que pode ajudar as pessoas com o distúrbio neurológico. O estudo foi publicado na revista Scientific Reports, da Nature.
Para conduzir sua investigação, os pesquisadores tocaram a música para 16 participantes com epilepsia refratária, todos com implantes cerebrais para medir sua atividade neural. Isso permitiu aos autores monitorar um tipo específico de impulso elétrico conhecido como descargas epileptiformes interictais (IEDs), que estão fortemente associadas à epilepsia e podem provocar convulsões.
Eles observaram que ouvir a ‘K448’ por 30 segundos produziu uma diminuição considerável nos IEDs nos participantes, particularmente nas regiões do cérebro que coordenam as emoções, como os córtices frontais bilaterais.
Os pesquisadores fizeram o mesmo teste com músicas favoritas dos participantes, mas não foi observado nenhum efeito semelhante. Isso sugere, segundo os cientistas, que a sonata ‘K448’ produz um efeito na atividade cerebral totalmente independente da resposta emocional subjetiva.
Na tentativa de decifrar o efeito terapêutico da peça, os autores do estudo analisaram a estrutura musical, observando que ela é “organizada por temas melódicos contrastantes, cada um com sua própria harmonia subjacente”, descreveram na pesquisa.
Depois disso, descobriram que as reduções no IED foram particularmente pronunciadas durante as transições entre essas frases musicais.
Respostas emocionais positivas
Com base nessa observação, os pesquisadores levantam a hipótese de que as transições entre melodias prolongadas geram “respostas emocionais positivas” dentro do cérebro, o que parece atenuar a atividade epiléptica.
Para testar essa teoria, eles pediram aos participantes que ouvissem uma peça de Wagner, outro compositor clássico, que não tem melodias reconhecíveis e “é organizada por mudanças sutis e graduais em vez de temas melódicos contrastantes”, descreveram.
Ouvir Wagner não surtiu efeito sobre a atividade do IED, reforçando a conclusão de que as mudanças melódicas são o ingrediente antiepiléptico chave na ‘K448’ de Mozart.
Ao aproveitar essa propriedade e compor outros arranjos musicais que espelham a estrutura da sonata, os pesquisadores dizem que pode ser possível desenvolver novos tratamentos não invasivos para a epilepsia.