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Especial Sertanejo: revisite a história do gênero musical que é o maior sucesso do Brasil

No princípio, era a viola. A viola e o caipira. Tudo foi feito por ele; e nada do que tem sido feito foi sem ele. Nas escrituras sacramentadas da cultura nacional mais enraizada, o homem do interior do Brasil é o criador; e a música hoje chamada sertaneja, a criatura. Em sua fase mais genuína, cantadores interpretavam em dueto modas e toadas sobre temas simples, como a lida no campo, a vida e a morte. Esse momento vingou até meados dos anos 1940. Atualmente, são as mulheres que dominam as paradas de sucesso com um discurso empoderado, e a mistura musical é tamanha que mal identifica o gênero. Nesse meio tempo, o sertanejo passou por pequenas revoluções e grandes transformações, mas nunca saiu de moda. Ganhou até um dia no calendário para chamar de seu!

— Em 1964, violeiros passaram a fazer romarias a Aparecida do Norte. Fomos eu e minha irmã com Tonico & Tinoco, para agradecer. Era 3 de maio. A rádio local soube da nossa presença e pediu para cantarmos. Depois, sugeriu que voltássemos no ano seguinte. Desde então, a data nunca passa em branco por lá. Todo ano tem apresentações de música sertaneja em Aparecida, e nós sempre estamos presentes. Do grupo original, que ainda tinha Geraldo Meirelles e Comendador Biguá, só eu e Marilene estamos vivas. Somos testemunhas oculares da História — orgulha-se Mary, uma das irmãs Galvão, ao relembrar.

Grupo de violeiros em Aparecida
Grupo de violeiros em Aparecida Foto: Reprodução de internet

Conhecidas pelo hit “Beijinho doce”, As Galvão são a dupla sertaneja mais antiga do Brasil em atividade: este ano, completam sete décadas de carreira. Mary e Marilene começaram a se apresentar com 7 e 5 anos de idade, respectivamente, na Rádio Club Marconi, de Paraguaçu Paulista, interior de São Paulo, incentivadas pelos pais, uma costureira e um alfaiate, que cuidavam para que as meninas estivessem sempre impecáveis em cena.

— Lembro bem a primeira música que cantamos juntas, em 1947: “La ultima noche que pasé contigo”. Era um tango pornográfico! (risos). Naquela época, não tinha música para criança, não existia a Xuxa. Então, a gente repetia as canções que faziam sucesso. Acho que agradamos por sermos fofinhas, pequenininhas, afinadas. A emissora decidiu fazer da gente uma dupla profissional — conta Mary, aos 77 anos.

O radialista Geraldo Meirelles
O radialista Geraldo Meirelles Foto: Reprodução

A longeva carreira da dupla será comemorada com o lançamento de um livro, no próximo sábado, dia 13. E estão no forno um documentário e um DVD, o primeiro delas (!), gravado em janeiro do ano passado, com a presença de outros sertanejos: Daniel, Chitãozinho & Xororó, Sérgio Reis, Marciano, Dani & Danilo e Guilherme & Santiago.

— Não planejamos chegar a essa marca. Hoje, estamos sendo paparicadas, convidadas para os programas mais importantes. Este é realmente o momento de ouro da nossa trajetória — afirma Mary, homenageada em 2013, ao lado da irmã, com um memorial em Sapezal, distrito de Paraguaçu Paulista, onde elas iniciaram a caminhada profissional: — Não conheço outros artistas que tenham tido esse reconhecimento em vida. As coisas devem ser feitas e faladas enquanto a gente ainda está aqui para ver. Os artistas precisam saber que são importantes para a música nacional em vida. Os brasileiros deveriam prestar mais atenção nisso!

Mary e Marilene com 7 e 5 anos, respectivamente, quando começaram a cantar
Mary e Marilene com 7 e 5 anos, respectivamente, quando começaram a cantar Foto: Arquivo pessoal

Pesquisador de cultura popular e autor do livro “De caipira a universitário — A história do sucesso da música sertaneja”, Edvan Antunes, de 52 anos, concorda com a veterana:

— A gente tem um problema: ama só o que vem de fora. Artista competente, mas do interior do Brasil, não tem valor, infelizmente. Deveríamos estar exportando a música de raiz, há muito tempo. Se os japoneses ouvissem “O menino da porteira”, mesmo que no instrumental, aplaudiriam de pé.

Foi depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) que a música caipira começou a se contaminar por influências externas. Instrumentos como a harpa, o acordeão, o trompete e o violino juntaram-se à viola e ao violão.

— Nos anos 50, os artistas começaram a gravar músicas paraguaias e mexicanas. Um compositor chamado Palmeira, que fazia dupla com Biá, foi quem aplicou o termo “sertanejo” a essa nova música, que já não era mais tão pura — explica Antunes, acrescentando que os locais de performance das duplas eram originalmente os circos, alguns rodeios e, principalmente, as rádios AM.

Tonico & Tinoco: música de raiz
Tonico & Tinoco: música de raiz Foto: Arquivo

O chamado “ritmo jovem” marcou a era moderna do sertanejo no fim da década de 1960. A inspiração era claramente a Jovem Guarda e o rock ‘n’ roll, e a temática romântica veio nessa onda. Defensor obstinado do estilo caipira genuíno, o músico, ator e apresentador Rolando Boldrin, de 80 anos, acompanhou essas transformações. Mas com pesar.

— As duplas mais moderninhas começaram a aderir a esse modismo americano do country, e aí a música caipira tradicional foi sendo esquecida. Virou uma coisa só, pasteurizada. Dou um exemplo: Sérgio Reis era um rapaz da capital, não usava chapéu, botas nem fivela, cantava música da Jovem Guarda. De repente, adotou as vestimentas do faroeste, começou a gravar modas de interior, vendeu muito disco, ficou famoso. Tudo apelo do mercado! — critica Boldrin: — Caipira virou termo pejorativo, então começaram a usar “sertanejo”. Mas, para mim, música sertaneja é a nordestina, de Luiz Gonzaga, Luiz Vieira, Belchior. Esse chamado novo sertanejo pegou como praga, hoje tem 200 mil duplas e milhões de fãs. Que saudade tenho dos geniais Pena Branca & Xavantinho!

Rolando Boldrin: defensor da cultura caipira
Rolando Boldrin: defensor da cultura caipira Foto: Divulgação

Léo Canhoto & Robertinho foi a primeira dupla a usar equipamentos eletrônicos numa gravação. Os dois, que ousaram também no visual, com cabelos compridos e roupas mais estilosas, chegaram a ganhar disco de ouro e lançaram filmes e peças de teatro com a temática bangue-bangue.

— Os caras compravam nossos discos até fora do país, no México e no Uruguai. Éramos dois jovens bonitos, mandávamos fazer roupas no alfaiate, cantávamos perfumados… A mulherada caía em cima! (risos) — brada Leo Canhoto, de 78 anos de idade e 46 de carreira, cujo ídolo sempre foi Elvis Presley: — Nunca fui fã da forma caipira de cantar e se vestir. Queria uma coisa mais urbana e, em 1973, cismei de colocar guitarra elétrica, bateria e contrabaixo nas músicas. Fui muito criticado, mas vencemos, e todos nos seguiram.

Leo Canhoto & Robertinho hoje
Leo Canhoto & Robertinho hoje Foto: Divulgação

Na levada da ousadia, a dupla Milionário & José Rico estourou nos anos 70. Com visual excêntrico, eles se tornaram “As gargantas de ouro do Brasil”. “Estrada da vida”, sucesso dos dois, virou filme em 1978, dirigido por Nelson Pereira dos Santos.

— Sempre fui muito fã de Tonico & Tinoco, viramos grandes amigos até. Mas achava que a música sertaneja devia ser tratada com mais carinho. Busquei influências no México e no Paraguai para mudar as nossas apresentações. Deu certo! Os dois meninos de infância pobre viraram Milionário & José Rico — brinca Milionário, que, com a morte do primeiro companheiro, em 2015, formou nova dupla com Marciano (cujo parceiro, João Mineiro, também se foi, em 2012): — Essa nova parceria foi uma forma de me manter em atividade. Fiquei um ano parado, apareceu essa oportunidade e topei. A gente se dá muito bem! Estou com 77 anos, não penso em me aposentar ainda. Vou cantar até quando der, morrer em cima do palco.

Milionário & José Rico mais recentemente
Milionário & José Rico mais recentemente Foto: Fabio Nunes/Divulgação

CURIOSIDADES

A viola

Uma das versões históricas sobre a viola diz que ela chegou ao Brasil trazida pelos colonizadores portugueses. Descende de um instrumento árabe, o alaúde, que chegou à Península Ibérica durante a invasão moura. Lá, ele se misturou com outros instrumentos medievais. Daí surgiu a “vihuela de mano”, que se chamaria viola, posteriormente.

Sedução

Os jesuítas usavam a viola para catequizar os índios, que se aproximavam admirados com o som do instrumento. Quando os bandeirantes partiram para conquistar o interior do Brasil, levaram a viola para espantar a solidão, e acabaram atraindo as índias, com quem se relacionavam sexualmente. Seus filhos eram os caboclos.

Caipirês

Os primeiros caboclos tocavam viola e cantavam usando um linguajar muito peculiar: misturavam o que aprendiam do pai português e da mãe indígena. Como não conseguiam pronunciar o som do “lh”, palavras como “telha” e “palha” viravam “teia” e “paia”, o famoso caipirês.

Caipira

O termo “caipira” também tem origem na linguagem indígena. Quando viam o homem branco se aproximando com chapéus gigantes, os tupis gritavam “Kaa pira!”, que significa “cortador de mato”.

Moda de viola

A música caipira tem uma temática rural e, segundo Cornélio Pires (jornalista e folclorista brasileiro responsável pelas primeiras gravações em disco do gênero), se caracteriza “por suas letras românticas, por um canto triste que comove e lembra a senzala e a tapera, mas sua dança é alegre”. O termo “moda de viola”, usado por Cornélio, é o mais antigo nome da música feita pelo caipira.

Michel Teló: de volta com o
Michel Teló: de volta com o “Bem sertanejo” Foto: Rede Globo/Divulgação

De volta ao “Fantástico”

Sucesso em 2014, o quadro “Bem sertanejo” — que depois virou DVD, livro e peça teatral (o espetáculo chega ao Rio na próxima quarta-feira, dia 10) — volta hoje ao “Fantástico”, na Globo, para mais duas temporadas, cada uma com quatro episódios.

Desta vez, Michel Teló estará a bordo de um food truck, oferecendo aos convidados do dia um prato típico da região onde eles nasceram. Na estreia, Teló estaciona o carro no Tocantins, onde conversa com as duplas Maiara & Maraísa e Henrique & Juliano, além do cantor Rick, que formou dupla com Renner.

— Vamos nos encontrar com cantores que não conseguimos na primeira temporada e trazer novidades, como músicas que não havíamos cantado e curiosidades — diz Teló, que, em casa, costuma receber os amigos para um bom e tradicional churrasco: — Somos uma família festeira e, desde muito pequeno, fui acostumado a grandes encontros, com muita comida típica e música. Mas não sou tão bom assim na cozinha (risos).

FONTE

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