Poucas emoções são tão fortes quanto ouvir a música preferida tocar aleatoriamente no rádio do carro ou em uma festa. Os pelos do braço instantaneamente ficam arrepiados, os olhos se arregalam e uma série de memórias trazidas por aquela canção surgem na cabeça em uma fração de segundos.
Se para alguns a música muitas vezes parece causar uma explosão de fogos de artifício no cérebro, saibam que cientificamente não estão errados. Foi desta forma que o neurologista e músico Marco Morel descreveu a atividade cerebral ao ouvir o som dos acordes de uma banda reunidos.
“A música é uma atividade, uma disciplina, que ativa todas as funções cerebrais simultaneamente como nenhuma outra. […] Nós brincamos que a música é como se fosse a queima de fogos na praia de Copacabana na virada do ano, é isso que acontece no cérebro. Todas as áreas se comunicam em simultâneo, e dialogam como nenhuma outra atividade.”
Pelo poder da música no cérebro, médicos e pesquisadores de todo o mundo tem usado canções para tratar pessoas com distúrbios como Alzheimer, que leva a perda gradual da memória. Segundo Morel, pacientes em estado avançado da doença mostraram interações surpreendentes ao ouvirem a canção preferida da infância ou até mesmo do casamento.
“Alguns estudos feitos em asilos especializados em pessoas com Alzheimer, no qual estes pacientes não tinham tipos de contato verbal ou aparentemente não tinham mais contato com a vida externa, colocaram para tocar as músicas que eles escutavam na infância, recém-casados ou em outras fases da vida. Esse estímulo fez com que estes pacientes começassem a falar, se lembrar de outras coisas e isso deixou até os cuidadores arrepiados.”
Morel explica que esse tipo de situação acontece porque a música é capaz de ativar memórias e acessar reações de diferentes partes do cérebro, como sensações, cheiros e até gostos, que outras atividades, como a literatura, não conseguem.
“Por exemplo, se você lembrar de algum livro que você leu, do que você comeu ontem ou de algum episódio bom, ou ruim que aconteceu um ano atrás, o cérebro vai ativar o lóbulo temporal, áreas frontais que são mais envolvidas com a memória. Já a música ativa estas áreas e outras envolvidas com emoções que são mais abstratas, mais avançadas e envolvem sentimentos mais refinados, gostos e sensações.”
O neurologista reconhece que alguns estudos preferem usar músicas genéricas para tratar pacientes, como as canções eruditas de Beethoven ou Mozart. Entretanto, Morel defende que cada paciente deve receber um tratamento individualizado com sons que instiguem memórias pessoais e únicas.
“A música é uma máquina do tempo, eu mesmo uso isso com os meus pacientes com demências. […] A neuroplasticidade — capacidade do cérebro de se adaptar a mudanças ou lesões — é um fenômeno que ajuda pacientes a superar traumas, ansiedade e depressão a partir de tratamentos com a música. Não há outro fenômeno hoje conhecido que tenha tanto benefício nessa área quanto a música.”
Pesquisas brasileiras indicam que ouvir música pode ajudar até a controlar a pressão arterial de pessoas no CTI (centro de terapia intensiva), ideal para pacientes que se recuperam de AVCs (acidente vascular cerebral) ou mesmo sofrem com algum tipo de pressão intercraniana.
Além das doenças já citadas, como Alzheimer e depressão, o tratamento com músicas pode ajudar pacientes com insônia, crises de pânico, bipolaridade e até mesmo Parkinson.
“A doença de Parkinson não é apenas tremor, ela também envolve rigidez dos membros e, principalmente, instabilidade postural. O paciente com Parkinson tem problema para andar, a marcha fica mais rígida com passos mais curtos e arrastados, com tendência de queda para os lados e para frente. A música, principalmente rítmica, contribui muito [para a melhora do quadro]. A diferença é gritante. Parece que você colocou um marcapasso nas pernas.”
Ainda segundo o neurologista, aprender a tocar instrumentos musicais desde a infância tem efeito significativo na construção cerebral, além dos impactos significativos observados também em adultos e idosos.
“Os músicos profissionais avaliados em comparação com os músicos amadores tiveram resultados muito acima da média nas funções executivas, como atenção, concentração, capacidade de fazer multitarefas e capacidade de planejamento estratégico a longo prazo”, concluiu Morel.
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